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Destaques

✢ LANÇAMENTO: LIVRO "CALVINO, CIÊNCIA E FAKE NEWS"

  Não é sem imensa expectativa e alegria que se empreende a publicação da décima primeira obra de caráter temático calviniano da Série Calvino21 , sob autoria do Rev. J. A. Lucas Guimarães, historiador, teólogo e organizador do Calvino21 , intitulado  CALVINO, CIÊNCIA E FAKE NEWS:  a invenção da oposição calviniana à Ciência moderna na historiografia do século XIX.   Principalmente, ao considerar a singularidade do conteúdo, o nível do conhecimento alcançado e o caráter da percepção do passado envolvida, disponibilizados à leitura, reflexão e intelectualidade, caso o arbítrio do bom senso encontrado, esteja em diálogo com a coerência da boa vontade leitora. Com a convicção da pertinência da presente obra ao estabelecimento da verdade histórica sobre a postura de João Calvino (1509-1564) diante dos ensaios preparatórios no século XVI  ao início da Ciência Moderna ocorrido no século XVII,  representado por Nicolau Copérnico (1473-1543) com sua teoria do movimento da Terra ao redor do Sol

✢ AMOR AO MUNDO: MISÉRIA E DESGRAÇA


João Calvino *

Não ameis o mundo nem as coisas que há no mundo. Se alguém amar o mundo, o amor do Pai não está nele; porque tudo que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não procede do Pai, mas procede do mundo. Ora, o mundo passa, bem como a sua concupiscência; aquele, porém, que faz a vontade de Deus permanece eternamente.— 1ª João 2.15-17

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Ele havia dito antes que a única regra para viver religiosamente é amar a Deus. Mas como, quando estamos ocupados com o vão amor do mundo, desviamos todos os nossos pensamentos e afetos para outro lado, essa vaidade deve primeiro ser arrancada de nós, para que o amor de Deus possa reinar dentro de nós. Até que nossas mentes sejam limpas, a doutrina anterior pode ser repetida centenas de vezes, mas sem efeito. Seria como derramar água numa bola. Você pode juntar? Não, nem uma gota, porque não há lugar vazio para acumular água.

Por mundo, entende-se como tudo o que está relacionado com a vida presente, à parte do reino de Deus e da esperança da vida eterna. Portanto, ele engloba nele corrupções de todo tipo e o precipício de todos os males. No mundo existem prazeres, delícias e todas aquelas seduções pelas quais o homem é cativado, de modo a se afastar de Deus.

Além disso, o amor ao mundo é assim severamente condenado, porque devemos necessariamente esquecer Deus e nós mesmos quando não consideramos nada tanto quanto a terra; e quando uma concupiscência corrupta desse tipo governa no homem, e o mantém tão enredado que não pensa na vida celestial, ele é possuído por uma estupidez brutal.

Ele prova, por meio de um argumento do que é contrário, quão necessário é lançar fora o amor ao mundo, se quisermos agradar a Deus. E isso ele confirma, posteriormente, por um argumento extraído do que é inconsistente. Porque o que pertence ao mundo está totalmente em desacordo com Deus. Devemos ter em mente o que já disse, que aqui se menciona um modo de vida corrupto, que nada tem em comum com o reino de Deus, isto é, quando os homens se tornam tão degenerados, que ficam satisfeitos com a vida presente, e não pensam mais na vida imortal do que os animais mudos. Quem, então, se torna desse modo escravo das concupiscências terrenas, não pode ser de Deus.

A concupiscência da carne, ou, especificamente, o desejo da carne. O antigo intérprete traduz o versículo de outra forma, pois de uma frase ele elabora duas. Os autores gregos se saem melhor, ao lerem essas palavras juntas: “Tudo o que existe no mundo não é de Deus.” E, então, eles introduzem entre parênteses os três tipos de concupiscências. Porque João, a título de explicação, inseriu esses três detalhes como exemplos, para que pudesse expor brevemente quais são os empregos e pensamentos dos homens que vivem para o mundo. Mas se for uma divisão total e completa, não significa muito. Embora você não encontre um homem mundano em quem essas concupiscências não prevaleçam, pelo menos uma delas. Resta-nos observar o que ele entende por cada uma delas.

A primeira cláusula é comumente explicada como sendo todas as concupiscências pecaminosas em geral, pois a carne significa toda a natureza corrupta do homem. Embora não esteja disposto a contestar, ainda assim não estou disposto a fingir que aprovo outro significado. Paulo, ao proibir, em Romanos 13.14, a provisão de sustento à carne, quanto às suas concupiscências, parece-me ser o melhor intérprete desta passagem. Nela, então, o que é a carne? Precisamente o corpo e tudo o que lhe pertence. O que é, então, a concupiscência ou o desejo da carne, senão quando os homens mundanos, procurando viver de maneira suave e delicadamente, estão empenhados apenas em suas próprias vantagens? Bem conhecida de Cícero, e outros, é a tríplice divisão feita por Epicuro. Porque ele elaborou essa diferença entre as concupiscências: considerou algumas naturais e necessárias, algumas naturais e não-necessárias, e outras nem naturais ou necessárias. Mas João, conhecendo bem a insubordinação (ἀταξία) do coração humano condena sem hesitação a concupiscência da carne, porque ela sempre flui de forma imoderada e nunca observa o meio devido. Depois ela chega, gradualmente, a vícios mais grosseiros.

À concupiscência dos olhos, ele inclui, penso eu, olhares libidinosos, bem como a vaidade que se deleita com pompas e esplendor vazio.

Em último lugar, segue-se o orgulho ou a arrogância, com o qual está conectada a ambição, a ostentação, o desprezo pelos outros, o amor cego por si mesmo e a autoconfiança obstinada.

A soma de todo é que, quando nosso coração está corrompido, assim que o mundo se apresenta nossas concupiscências ou desejos são cativados por ele, como feras desenfreadas, de modo que várias concupiscências, todas que são adversas a Deus, dominem em nós. A palavra grega βὶος, traduzida por vida (vita), significa o modo ou a maneira de viver.

Como não há nada no mundo além do que está desaparecendo e, como se fosse por um momento, ele conclui que aqueles que buscam a sua felicidade nele, fazem uma provisão desgraçada e miserável para si mesmos, especialmente quando Deus nos chama para a glória inefável da vida eterna, como se dissesse: “A verdadeira felicidade que Deus oferece aos seus filhos é eterna. É, então, uma coisa vergonhosa para nós estarmos enredados com o mundo, que com todos os seus benefícios em breve desaparecerá.” Tomo a luxúria aqui metonimicamente, como significando o que é desejado ou cobiçado, assim como o que cativa os desejos dos homens. O significado é que o que há de mais precioso no mundo e considerado especialmente desejável, nada mais é do que ilusória aparência.

Ao dizer que aqueles que fazem a vontade de Deus permanecerão para sempre, ou seja, perpetuamente, ele quer dizer que aqueles que buscam a Deus serão perpetuamente abençoados. Se alguém objetasse e dissesse que ninguém faz o que Deus ordena, a resposta óbvia é que o que se fala aqui não é a perfeita observância da lei, mas a obediência da fé, que por mais imperfeita que seja ainda é aprovada por Deus. A vontade de Deus é-nos, primeiramente, dada a conhecer na lei. Todavia, como ninguém satisfaz a lei, nenhuma felicidade pode ser esperada dela. Mas Cristo vem ao encontro dos desesperados com nova ajuda, que não apenas nos regenera pelo seu Espírito para que possamos obedecer a Deus, mas também faz com que o nosso esforço, tal como é, obtenha o louvor da justiça perfeita.

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* Texto extraído do comentário de João Calvino à primeira carta de João (2.15-17).
 Tradução de J. A. Lucas Guimarães | Calvino21.

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