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✢ CALVINO, UMA LÁPIDE SEM TÚMULO
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No dia 27 de maio de 1564, morria, em Genebra, João Calvino, aos 55 anos, idade para nós hoje de plena maturidade, à época nos limites da existência. Ele se apagava serenamente, depois de ter participado, já muito provado, do término do encontro semanal com os pastores da cidade, depois de almoçar com eles.
A notícia se espalhou na cidade e muitos forasteiros, que vieram para encontrá-lo, gostariam de ter podido vê-lo, atitude compreensível em uma sociedade que não conhecia as fotografias e os tabletes, mas foi sepultado às 16 horas, de acordo com a sua vontade, no cemitério de Plainpalais, em vala comum.
✢ Leia também: A morte de João Calvino
Hoje, no jardim do parque municipal, encontra-se uma pequena laje de pedra de poucos centímetros com a gravação “J. C.”, as iniciais do seu nome, Jean Cauvin, e é preciso saber onde busca essa pedra. Talvez, o que inspirou essa escolha foi a ideia, para ele quase obsessiva, de que a criatura humana é, naturalmente, idólatra, sempre busca algo para adorar no lugar de Deus e os mortos sempre foram objeto de particular devoção.
Pensando na Praça Vermelha e nas grutas vaticanas, é preciso se perguntar se a sua dúvida não tinha algum fundamento. Sem túmulo, ao invés, não se poderia idolatrá-lo. E sobre esse autoapagamento da própria pessoa, se poderiam fazer muitas reflexões também do ponto de vista evangélico.
Diante dessa pedra na grama de um jardim público, onde as crianças brincam e os aposentados leem o jornal, enquanto ao fundo flui o tráfego da cidade, o pensamento se volta imediatamente para os túmulos dos dois personagens que foram, na cristandade do século XVI, os seus interlocutores: Lutero e Inácio. O primeiro está sepultado na Igreja de Wittenberg, aos pés do púlpito, onde ele pregara durante toda a sua vida. O segundo, na Igreja do Gesú, em Roma, o centro espiritual da Companhia de Jesus. Uma lápide, no primeiro caso e um santuário em um grandioso altar de construção barroca, no segundo. Ambos em lugar eclesiástico, onde se reúne a comunidade dos fiéis. Duas igrejas em evidente contraposição: a da Palavra (a cujo serviço Lutero viveu) e a do altar, do poder sacramental (à qual Inácio dedicou a vida).
O nosso irmão Calvino não só não tem túmulo, mas também está fora do templo. Ele está entre os mortos da cidade. Na catedral, resta apenas a sua Bíblia. Evidentemente, trata-se de outro modo de ver tanto a Igreja, quanto a cidade, quanto a sua relação. A igreja está no templo, em torno da Palavra, não na cidade. Na cidade, está o crente vivo e morto.
Um segundo pensamento surge em mim, no entanto, lembrando aquela sua lápide anônima (se você não sabe que “J. C.” são as suas iniciais, você pode pensar em qualquer coisa, de fato): esse despojamento tão radical de si mesmo não está no limite do desumano? Dar glória ao Senhor implica o anulamento de si mesmo e da própria humanidade? Não leva a uma religião sem coração, sem sentimento, rigorosa, mas esquemática, fria?
Os nossos concidadãos pensam isso, porque o italiano é acima de tudo um latino, não só na arte da retórica, no jogo das imagens, na criatividade e na concretude (como demonstraram as últimas eleições), mas latino no paganismo da humanitas. Primeiro, há o homem, depois Deus. O desafio da nossa pregação talvez esteja nisto: ser filhos da humanita latina, isto é, não fazer da fé uma ideologia, mas sim a premissa de uma identidade. Mas, ao mesmo tempo, não ser escravos dela: ser libertados do paganismo da humanitas para realizar o humanismo dos discípulos de Cristo. Aquele túmulo não é desumano, mas é a plena realização da humanidade.
Não é por acaso que, nessa fronteira de um humanismo da fé e não da “carne”, para usar a expressão de Paulo, isto é, da natureza, jogou-se toda a questão valdense ao longo do séculos: a pobreza dos “barba” [expressão italiana para “pastor valdense”] contraposta à dos filhos de Francisco e a pregação dos ministros à dos filhos de Inácio. Leigos os primeiros e clérigos os segundos: usando linguagens muito semelhantes, mas dizendo coisas opostas.
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