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Destaques

✢ LANÇAMENTO: LIVRO "CALVINO, CIÊNCIA E FAKE NEWS"

  Não é sem imensa expectativa e alegria que se empreende a publicação da décima primeira obra de caráter temático calviniano da Série Calvino21 , sob autoria do Rev. J. A. Lucas Guimarães, historiador, teólogo e organizador do Calvino21 , intitulado  CALVINO, CIÊNCIA E FAKE NEWS:  a invenção da oposição calviniana à Ciência moderna na historiografia do século XIX.   Principalmente, ao considerar a singularidade do conteúdo, o nível do conhecimento alcançado e o caráter da percepção do passado envolvida, disponibilizados à leitura, reflexão e intelectualidade, caso o arbítrio do bom senso encontrado, esteja em diálogo com a coerência da boa vontade leitora. Com a convicção da pertinência da presente obra ao estabelecimento da verdade histórica sobre a postura de João Calvino (1509-1564) diante dos ensaios preparatórios no século XVI  ao início da Ciência Moderna ocorrido no século XVII,  representado por Nicolau Copérnico (1473-1543) com sua teoria do movimento da Terra ao redor do Sol

✢ O TESTAMENTO DE JOÃO CALVINO

A última vontade e testamento do Mestre João Calvino [1]

Em nome de Deus, seja conhecido de todos os homens e por aqueles que estão presentes, que no dia 25 de Abril do ano de 1564, eu Peter Chenelat, cidadão e tabelião de Genebra, fui procurado pelo honrado João Calvino, ministro da Palavra da Deus na Igreja de Genebra, e burguês da dita Genebra,[2] que estando doente e indisposto em corpo somente, declarou-me a sua intenção de fazer o seu testamento e declaração de sua última vontade, solicitando-me escrevê-la conforme poderia por ele ser ditada e pronunciada no seu declarado desejo, tenho feito, e escrito-a sob a sua ordem, e de acordo com o que ele ditou e pronunciou, palavra por palavra, sem omitir ou, acrescentar nada – na forma como segue:

“Em nome de Deus, eu João Calvino, ministro da Palavra de Deus, na Igreja de Genebra, sentindo estar em declínio [de saúde], por causa de diversos males, e que não posso senão pensar que isto seja da vontade de Deus para tirar-me em breve deste mundo, e sendo aconselhado a fazer e firmar por escrito o meu testamento e declaração da minha última vontade da forma como segue:

Em primeiro lugar, dou graças a Deus, não só porque teve compaixão de mim, uma pobre criatura sua, ao tirar-me do abismo da idolatria no qual eu estava atolado, de modo a guiar-me para a luz do seu evangelho e tornar-me um participante da doutrina da salvação, da qual eu era inteiramente indigno, e continuando em sua misericórdia, Ele tem me suportado em meio a muitos pecados e oscilações, que eram tais, que eu bem merecia ser rejeitado por Ele uma centena de vezes – mas pelo contrário, Ele estendeu-me a sua misericórdia para que eu e meu labor pudéssemos conduzir e anunciar a verdade do seu evangelho; protestando que é meu desejo viver e morrer nesta fé, a qual foi-me conferida, não possuindo outra esperança, nem refúgio, exceto em sua gratuita adoção, sobre a qual toda a minha salvação está fundamentada; abraçando a graça que Ele tem-me entregue, em nosso Senhor Jesus Cristo, e aceitando os méritos da sua morte e sofrimento, de modo que, por estes meios, todos os meus pecados estão sepultados; e orando-lhe para lavar-me e purificar-me pelo sangue deste grande Redentor, que foi derramado por nós, pobres pecadores, que eu possa comparecer diante de sua face, carregando a sua imagem tal como ela era.[3]

Também protesto que tenho diligentemente, de acordo com a medida da graça que me é dada, ensinar a sua Palavra com pureza, tanto em meus sermões como em meus escritos, e expondo fielmente a Sagrada Escritura; e ainda, que em toda disputa que tive com os inimigos da verdade, nunca fiz uso de sutis artimanhas, nem de sofismas, senão que tenho me esforçado em agir honestamente ao manter o debate. Mas ai de mim! Pois, o desejo que tive, e o zelo, se podem assim ser chamados, foram tão frios e tão lentos que sinto que sou um devedor a tudo e em toda parte, e que isto, não foi por sua infinita bondade, toda afeição que tive poderia ser como fumaça, e não somente isto, que desde os favores que Ele me concedeu poderiam senão render-me maior culpa; de modo que o meu único recurso é este, que sendo Pai de misericórdia, Ele me apresentará diante do Pai, sendo eu um tão miserável pecador.

Além disso, desejo que o meu corpo, após o meu falecimento, seja enterrado conforme o modo usual, para a espera do dia da bendita ressurreição.

A respeito dos poucos bens terrenos que Deus me deu aqui para dispô-los, eu nomeio e indico como o meu único herdeiro, meu amado irmão Antony Calvino, mas somente como honrado herdeiro, concedendo-lhe o direito de possuir nada mais, senão a taça que ganhei de Monsieur de Varennes,[4] e suplico-lhe que fique satisfeito com isto, como eu estou bem certo de que ele será, pois ele sabe que fiz isto por nenhuma outra razão, senão que o pouco que deixo possa permanecer para os seus filhos. Em seguida, deixo para a Academia dez moedas de cinco xelins, e para o tesouro dos pobres estrangeiros a mesma soma.[5] Igualmente, para Jane, filha de Charles Costan e minha meia-irmã,[6] por assim dizer, por parte de pai, a soma de dez moedas de cinco xelins; e ainda, para cada um de meus sobrinhos, Samuel e João, filhos de meu supracitado irmão,[7] quarenta moedas de cinco xelins; e para cada uma de minhas sobrinhas, Anne, Susannah e Dorothy deixo trinta moedas de cinco xelins. Também para o meu sobrinho David e seu irmão, pois ele tem sido imprudente e inseguro, deixo-lhe, porém, vinte e cinco moedas de cinco xelins como uma punição.[8] Este é o total de todos os bens que Deus me deu, de acordo com o que fui capaz de avaliar e estimá-los, quer sejam em livros,[9] mobília,[10] objetos de prata, ou qualquer outra coisa. De qualquer modo, é possível que o resultado da venda remonte a alguma coisa mais, entendo que poderia ser distribuído entre meus citados sobrinhos e sobrinhas, sem excluir David, se Deus o tiver concedido graça para ser mais moderado e sério. Mas, creio que a respeito deste assunto não haverá dificuldade, especialmente quanto as minhas dívidas que serão pagas, como tenho encarregado a meu irmão em quem confio, nomeando-o executor deste testamento junto ao respeitável Laurence de Normandie, concedendo-lhes poderes e autoridade para fazer um inventário sem qualquer forma judicial, e negociar minha mobília para levantar dinheiro dela de modo a consumar as orientações deste testamento como ele está aqui firmado por escrito, neste dia

25 de Abril de 1564.

Testemunho com a minha mão,

JOÃO CALVINO.” [11]

Após ser escrito como acima está, no mesmo instante o citado respeitável Calvino subscreveu com a sua usual assinatura o registro do referido testamento. E no dia seguinte, que foi 26 do mês de Abril, o citado respeitável Calvino chamou pela uma segunda vez junto aos respeitáveis Theodore Beza, Raymond Chauvet, Michael Cop, Louis Enoch, Nicholas Coladon, Jacques Desbordes, ministros da Palavra de Deus nesta igreja, e o respeitável Henry Seringer, professor de letras, todos os burgueses de Genebra, na presença de quem ele declarou que tinha determinado-me escrever sob ele, e com o seu ditado, o citado testamento na forma, e com as mesmas palavras que estão acima, dizendo-me para que o lesse em alta voz na presença das ditas testemunhas convidadas para este propósito, o que eu fiz com uma voz audível, e palavra por palavra. Depois desta leitura, ele declarou que esta era a sua vontade e último disposição, desejando que pudesse ser realizado. E assim, para maior confirmação do mesmo, solicitou as pessoas supracitadas que também a assinassem comigo, em Genebra, na rua chamada Des Chanoines, na residência do citado testador. Com fé disto, e para servir por suficiente prova, tenho redigido na forma como acima está apresentado o presente testamento, de modo a expedi-lo a quem o é de direito, sob o comum selo dos nossos mais honrados senhores e superiores e com a minha usual assinatura.

Testemunho com a minha mão,

P. CHENELAT.

NOTAS:

[1] Nota do tradutor: O texto original está no Corpus Reformatorum, vol. 20, pp. 298-302.
[2] Nota do tradutor: Alister McGrath nota que “Calvino somente adquiriu o status de bougeois, em Genebra, na sua velhice: ele nunca veio a ser um cidadão da cidade. Ele não poderia concorrer às eleições (e até dezembro de 1559 ele não podia nem mesmo votar nas eleições municipais); nem teve ele qualquer acesso privilegiado ao Conselho municipal ou influência direta sobre este, em nenhuma fase de sua carreira.” Alister McGrath, A vida de João Calvino (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2004), p. 148.
[3] Nota do tradutor: Calvino em seus escritos preserva essa característica coerente à sua convicção de que era a soberana graça que o tornava aceito diante de Deus, apesar de sua indignidade pecaminosa. Herman J. Selderhuis nota que Calvino “continuamente cita em suas cartas numerosas características negativas das quais ele era ciente, mas que ao mesmo tempo tinha dificuldade de esconder.” Herman J. Selderhuis, ed., The Calvin Handbook (Grand Rapids, Wm. Eerdmans Pulishing Co., 2009), p. 6. Ronald Wallace faz similar observar “o próprio Calvino era bem consciente de muitas de suas falhas que, às vezes, prejudicavam seu testemunho público e que o caracterizavam como uma pessoa particular.” Ronald Wallace, Calvino, Genebra e a Reforma – Um estudo sobre Calvino como um Reformador Social, Clérigo, Pastor e Teólogo (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2003), p. 237. Sobre este assunto Wallace dedica das páginas 237 a 242.
[4] Nota do editor: Guilhaume de Trie, Lorde de Varennes. Ele morreu em 1562, deixando a guarda de seus filhos à Calvino.
[5] Nota do tradutor: Este “tesouro dos pobres estrangeiros” era um fundo de reserva que a cidade de Genebra tinha para socorrer os refugiados, que por motivos políticos ou teológicos eram expulsos de suas pátrias, e procuravam acolhida nesta cidade. Durante o retorno de João Calvino para Genebra esta cidade em pouco tempo tornou-se não somente um local de referência para a Reforma teológica, mas também para o pensamento econômico, político e social. O próprio Calvino sabia o que era andar errante como um “pobre estrangeiro”. David W. Hall, The legacy of John Calvin – his influence on the modern world (Phillipsburg, P&R Publishing, 2008), pp. 15-18.
[6] Nota do editor: Mary, filha de um segundo casamento de Gérard Calvino. Ela deixou Noyon em 1536, para acompanhar os seus irmãos, João e Antony para a Suíça.
[7] Nota do editor: Antony Calvino teve com a sua primeira esposa dois filhos, Samuel e Davi, e duas filhas, Anne e Susannah; com a segunda, um filho, João, que morreu sem deixar posteridade em 1601, e três filhas, Dorothy, Judith e Mary, que morreram da praga em 1574.
[8] Nota do editor: Este David, bem como o seu irmão Samuel, foram deserdados por Antony Calvino, por causa de sua “desobediência”.

[9] Nota do editor: Os livros de Calvino foram comprados após a sua morte pelo lorde, como podemos ver nos registros do concílio do dia 8 de julho de 1564: “resolvido comprar para a república os tais livros do senhor Calvino, como o senhor Beza melhor julgar.”
[10] Nota do editor: Uma parte da mobília pertencia a república de Genebra, como é provado pelo inventário preservado nos arquivos (No. 1426). Extraímos desta lista os artigos emprestados para o reformador, do dia 27 de Dezembro de 1548, e devolvidos ao lorde após a sua morte.
[11] Nota do tradutor: Calvino faleceu em 27 de Maio de 1564 e é sepultado no dia seguinte “’envolvido em uma mortalha e colocado em um caixão de madeira, sem pompa ou cerimônia requintada … seu túmulo foi identificado com um montículo simples, como o de seus mais humildes companheiros.’ Conforme ele mesmo desejara.” Derek W.H. Thomas, “Quem era João Calvino?” in: Burk Parsons, ed., João Calvino amor à devoção, doutrina e glória de Deus (São José dos Campos, Editora Fiel, 2010), p. 54.
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