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✢ CALVINO E EMPRÉSTIMOS A JUROS
Martin Bernard *
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No século 16, João Calvino foi o primeiro teólogo a endossar a prática de empréstimos a juros na Europa. Como parte do 500º aniversário da Reforma, um retorno em duas partes a esse aspecto pouco conhecido da obra do famoso reformador. E sobre a relevância dessa prática na economia moderna.
O empréstimo a juros está no centro do funcionamento das finanças contemporâneas. Seu impacto é considerável, afetando diretamente famílias, empresas e Estados. Às vezes questionada, nem sempre existiu em sua forma atual. Ao longo da Idade Média europeia, a prática foi de fato proibida pela Igreja Católica. Foi somente na época da Reforma, que os empréstimos com juros encontrariam certa legitimidade teológica, sob o impulso principal de Calvino, em Genebra.
O que é juros hoje e por que era proibido na Idade Média? “Nas finanças, os juros são a remuneração de um empréstimo, geralmente sob a forma de um pagamento periódico do mutuário ao mutuante”, indica Bernard Bayot, diretor da rede Financité, que promove iniciativas financeiras solidárias na Bélgica. É, em outras palavras, a renda do dinheiro e o preço a ser pago para poder dispor dele. Comumente aceito hoje, essa concepção é, no entanto, relativamente moderna.
Aristóteles e os escolásticos
Na antiguidade, o filósofo grego Aristóteles se opôs à ideia de que o dinheiro poderia produzir dinheiro e acumular. Para ele, “é, portanto, por natureza injusto que o empréstimo de uma soma de dinheiro gere um excedente. A natureza do dinheiro baseia-se em sua função de intermediário de trocas e de padrão monetário. Como intermediário, não pode ser considerado como mercadoria, o que ocorre quando se prevê o pagamento de juros”, escreve Pascaline Houriez, consultora de negócios e acompanhamento de projetos, no número 266 da revista teológica da Faculdade João Calvino de Aix-en-Provence.
Esta definição concorda com as indicações de Deuteronômio e do Evangelho de Lucas. Ele influenciará fortemente os Padres da Igreja na Idade Média. De fato, os empréstimos com juros foram canonicamente condenados em 325, durante o Concílio de Nicéia, como também por Carlos Magno, no início do século IX. No século XIII, em sua “Summa Theologica”, Tomás de Aquino escreve que “receber juros por dinheiro emprestado é em si injusto, pois é cobrar por aquilo que não existe.” Em relação ao dinheiro, acrescenta: “foi inventado principalmente para facilitar as trocas, portanto seu uso próprio e principal deve ser consumido, isto é, gasto, já que tal é seu emprego nas compras e vendas. Assim, é inerentemente injusto cobrar pelo uso de dinheiro emprestado. É nisso que consiste a usura...” O direito canônico condenou o empréstimo com juros até 1830. E só o tornou legal em 1917. Dito isso, se os juros foram proibidos durante a Idade Média, contudo existiam exceções, pois muitos artifícios comerciais permitiam aos comerciantes contornarem a proibição.
A virada calvinista
Em 1545, no entanto, quando João Calvino, em sua famosa carta a Claude de Sachins, forneceu suporte moral para a prática dos juros, ele estava de fato rompendo com uma tradição judaico-cristã de quase três milênios. Ele difere nisso de Lutero e Zwinglio. Ao contrário de Aristóteles e dos escolásticos, Calvino considera o dinheiro uma mercadoria como qualquer outra. “Para ele, não há necessidade de ter uma abordagem particular ao dinheiro. O dinheiro é um bem que se empresta como um aluguel, ou seja, da mesma forma que se aluga um apartamento. É simples, mas é uma verdadeira revolução conceitual”, explica François Dermange, especialista em ética econômica da Universidade de Genebra.
Uma vez estabelecido isso, porém, Calvino impõe várias restrições morais a essa prática. “A principal é que o empréstimo a juros não vantajoso para os pobres”, sublinha Michel Grandjean, historiador do Cristianismo da Universidade de Genebra. “Para Calvino, portanto, é preciso distinguir entre quem toma emprestado para investir e daquele que toma emprestado para se alimentar. No primeiro caso, o interesse é legítimo, no segundo, não.” Assim, segundo Calvino, enquanto a Bíblia de fato condena a usura onde a caridade deveria se manifestar, nada é especificado sobre o financiamento de produção necessária, por exemplo, para a implementação de uma nova empresa lucrativa e geradora de riqueza. No entanto, o reformador não quer que a fixação da taxa de juro seja deixada ao livre-arbítrio dos agentes económicos. Portanto, está fora de questão para ele fazer um comércio de dinheiro. É, por isso, que, em 1563, ele se opôs à criação de um banco em Genebra.
A reflexão de Calvino também faz parte de um contexto particular. A Genebra da época experimentou uma recessão econômica após as lutas políticas e religiosas da Reforma e o declínio das feiras comerciais. Foi somente com a chegada de muitos refugiados protestantes que o crescimento da cidade foi retomado. “Era então urgente encontrar novas formas de aumentar a atividade econômica”, explica François Dermange. “A prática de juro tem permitido um forte desenvolvimento do mesmo. E indiretamente, permitiu também, mais tarde, desenvolver a atividade financeira.” Se ele não está diretamente na origem do capitalismo moderno, do qual ele previu abusos extremos, Calvino, portanto, favoreceu o desenvolvimento de um solo no qual poderia depois florescer.
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Disponível em: https://www.reformes.ch/201612018222/8222-quand-calvin-legitimait-le-pret-a-interet.html. Acesso em: 28/03/2022.
Tradução: Projeto Calvino21.
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