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✢ PASTOREANDO COMO UM TÉOLOGO: SEIS LIÇÕES DA VIDA E OBRA DE CALVINO
B. G. White *
Introdução
O nome “João Calvino” é sinônimo de muitas coisas, dependendo de para quem você pergunta. Uma enquete com cristãos ocidentais, provavelmente revelaria rótulos como “grande teólogo” e “totalmente bíblico”, estando empatado com um descritor como “teologicamente equivocado”, e outros termos não adequados à publicação. Existem poucas figuras mais polarizadoras na igreja do que este reformador do século dezesseis. Mas estou propenso a pensar que a comoção é menos responsabilidade do próprio Calvino e mais produto de seus intérpretes. Lembro-me da primeira vez que peguei a magnum opus de Calvino, A Institutas da Religião Cristã. E fiquei surpreso ao descobrir que as primeiras páginas, mesmo a grande maioria da obra, fala pouco sobre a predestinação. Está lá, mas não é o ponto central imaginado por intermináveis debates contemporâneos sobre soteriologia.
Em outras palavras, um obstáculo para apreciar Calvino como um pastor teólogo é a distinção, ou a falta dela, entre o homem e seu movimento. Calvino e calvinismo nem sempre são a mesma coisa e, às vezes, o próprio homem é mais humano e cuidadoso do que seus seguidores. Para ter certeza, a posição calvinista histórica, incluindo o movimento neo-reformado moderno (Tim Keller, D. A. Carson etc.), permite que os princípios-chave de Calvino floresçam em plena exposição: graça, providência de Deus e a centralidade e suficiência de Cristo. Mas onde os calvinistas derramam tinta discutindo a lógica interna de sua teologia (por exemplo, Francis Turretin e John Owen), o próprio Calvino estava imerso em pensadores que, às vezes, diferiam dele, incluindo Agostinho e Tomás de Aquino. Enquanto o calvinismo é fundamentalmente um movimento teológico, Calvino foi um estudioso humanista tão versado em Sêneca e Cícero quanto em Anselmo e Abelardo.
Quando se pensa sobre a relevância de Calvino para o ministério, o que não pode ser esquecido é sua máxima de que a “verdadeira sabedoria” consiste em “duas partes: o conhecimento de Deus e de nós mesmos.”[1] Esta declaração, afirmam aqueles que interpretam a teologia de Calvino, como sendo orientada em direção a Deus: o objetivo da vida é “glorificar a Deus e desfrutá-lo para sempre.”[2] Mas também dá a si mesmo um lugar de destaque, um fato que deixa alguns calvinistas desconfortáveis. Embora a meditação de Calvino possa ser inapropriada, é simplesmente um resumo da tradição teológica ocidental, o que Eric Johnson chama de “subjetividade teocêntrica” (isto é, o projeto de trazer o conhecimento objetivo de Deus às profundezas subjetivas da alma).[3] Isso me parece ser o cerne de qualquer bom ministério pastoral. Embora os pastores trabalhem para Deus, não estão ministrando para ele. Em vez disso, estão contextualizando as verdades do Evangelho à sua comunidade, em um esforço para ver essas pessoas e toda a criação refletindo a glória de Deus.
Portanto, no espírito da máxima de Calvino sobre Deus e a humanidade, ofereço seis lições de sua vida e obra, tomando realidades objetivas e as aplicando a nosso contexto, para que possamos ganhar alguma sabedoria para a tarefa de ser um pastor-teólogo.
1 | Ouça os conselhos dos outros
Calvino sempre pretendeu ser um estudioso. Seu considerável intelecto sugere que, se não tivesse se tornado pastor, a história ainda o teria lembrado como um grande erudito. Mas o momento decisivo de sua vida o puxou para longe da torre de marfim e para dentro da igreja. Ao passar a noite em Genebra, um reformador local, chamado William Farel, desafiou Calvino a ficar e ajudar à jovem Reforma. Calvino reconta:
“Então Farel, que estava trabalhando com incrível zelo para promover o evangelho, envidou todos os esforços para me manter na cidade. E quando ele percebeu que eu estava determinado a estudar em privacidade em algum lugar obscuro, e viu que não ganhava nada com súplicas, começou a praguejar e disse que Deus certamente amaldiçoaria minha paz, se eu evitasse ajudar em um momento de tamanha necessidade.”[4]
Não é de se admirar que os temas da graça e da providência permeiem a obra de Calvino. Como Paulo antes dele (Atos 9), experimentou uma obra intrusiva de Deus por meio do desafio de Farel (e o aceitou, vivendo em Genebra como pastor a maior parte de sua vida). Embora a coragem de Farel se destaque, é a humildade de Calvino que é mais instrutiva aos pastores teólogos iniciantes. Ele era mais instruído do que Farel e não lhe devia nada. Mesmo assim, deu ouvidos a seu colega pastor e, por isso, entregou ao Protestantismo uma teologia sistemática que, de outra forma, talvez nunca tivesse tido.
2 | Estude outras disciplinas
Uma das críticas ao Protestantismo, que é falsa para mim, é a alegação de que ele é historicamente míope. Isso é fato em algumas denominações, mas certamente não é verdade sobre Calvino. Sua Institutas é uma conversa com curadoria entre os teólogos mais antigos da igreja e a sua própria exegese da Escritura. Mas Calvino também passa muito tempo citando figuras da tradição clássica, como Sêneca, Demóstenes e Cícero. Na verdade, o primeiro livro de Calvino, antes da intervenção de Farel, foi um comentário sobre De Clementia, de Sêneca. Tudo isso é vital ao trabalho dele, emprestando não apenas amplitude intelectual, mas uma compreensão real da natureza humana e uma capacidade de articular a verdade no ad fontes (“de volta às fontes”), espírito da Renascença.
Em nossa época, onde a educação no seminário é principalmente, senão totalmente, nas disciplinas teológicas, Calvino nos lembra que um bom pastor-teólogo ganha o comando de outras disciplinas também. Hoje, isso pode incluir desenvolvimentos em ciência, bioética, psicologia e tecnologia, para citar algumas.
3 | Persevere em sua vocação
Calvino era nada, se não intenso. Você pode criticá-lo como um workaholic, mas é difícil argumentar contra seu nível de comprometimento com o ministério. Dizem que Calvino realmente trabalhava em sua mesa até tarde da noite, com os pés descansando em baldes de água gelada para adiar o sono! Em um mundo de distração digital, ele nos lembra da bondade do trabalho e da necessidade de foco em meio a uma agenda lotada, caso alguém almeje produzir estudos teológicos no contexto do ministério pastoral.
4 | Esteja ciente de suas dificuldades teológicas
Qualquer pessoa familiarizada com a história de Calvino, sabe que nem sempre foi bonita. Indiscutivelmente, o capítulo mais sombrio vem com a execução de Miguel Serveto, em 1553, pelas mãos do Conselho da cidade de Genebra (que Calvino influenciou fortemente). Serveto foi um herege que foi denunciado por católicos e protestantes. Mas ele incomodou especialmente Calvino! Quando os dois compartilharam uma correspondência, que terminou com a decisão de Serveto de enviá-lo uma cópia de sua Institutas com anotações críticas anexadas. Calvino escreveu a William Farel que se Serveto algum dia colocasse os pés em Genebra, “no que diz respeito à minha autoridade, eu não o deixaria sair vivo.”[5] Embora Serveto pudesse ter encontrado o mesmo fim em outro lugar, é difícil não ver a vingança de Calvino na morte dele.
Os calvinistas, e a igreja em geral, amoleceram nos últimos séculos, mas os movimentos ainda incorporam as virtudes e os vícios de seu líder. Portanto, não é totalmente imerecido que os calvinistas sejam pintados como orgulhosos e divisores. Como alguém que simpatiza com o calvinismo, tive encontros com outros cristãos, inclusive em entrevistas de emprego, onde simplesmente descobri que me identifico com o calvinismo. Tive que oferecer garantias de que posso ser gentil com aqueles de quem discordo. Este é um lembrete aos ministros e alunos do seminário para estarem cientes de suas irritações teológicas. A última coisa que uma congregação precisa é ser arrastada a uma controvérsia teológica, que é tanto sobre as inseguranças de seu líder quanto sobre lutar pela verdade.
5 | Considere usar seus dons em áreas que não sejam convencionais a sua personalidade
Calvino frequentemente lutou contra doenças físicas. A pouca energia que tinha era normalmente gasta no estudo. No final de sua curta vida, seus amigos tiveram que carregá-lo à igreja onde pregava. Ele não era apenas um indivíduo de pouca energia, mas também era introvertido e tinha problemas para encontrar uma esposa. Nenhuma dessas condições confirma as percepções modernas do que é necessário para ser um pastor. No entanto, lá estava Calvino: sendo nomeado pastor da igreja em Genebra e tendo, segundo todos os relatos, um ministério pastoral frutífero.
Ao contrário de Calvino, muitos líderes hoje, incluindo os cristãos em geral, encontram sua identidade em estereótipos culturais sobre nossa personalidade. Com medo de abandonar o rótulo de “o pensador” ou “o sujeito incansável”, evitamos ser mais do que isso. A peça-chave de ser um pastor-teólogo é acreditar, na tradição de Calvino, Martinho Lutero ou Agostinho, que indivíduos introvertidos, porém envolvido apenas com uma paixão pela igreja, podem ser líderes eficazes.
6 | Resista em usar seu ministério para ganhar o status de celebridade
Calvino sentiu em vida que estava se tornando famoso demais e arriscava criar um culto à personalidade. Para que seu cemitério não se tornasse um objeto de peregrinação, ele escolheu ser sepultado em uma sepultura sem marca para encorajar seus seguidores a se comprometerem totalmente com Jesus e não com ele.
Da mesma forma, na busca por um pastorado mais robusto, do ponto de vista intelectual, é fácil se envolver no negócio de dizer grandes coisas sobre Deus e esquecer que o objetivo da vida cristã é sentar-se docilmente diante da Palavra e, assim, conhecer a verdade divina, em vez de se tornar conhecido. A decisão do túmulo de Calvino deve ser uma fonte de reflexão sóbria em uma época de celebridades e pastores famosos, onde os vícios da ambição podem obscurecer o bom senso de líderes ministeriais talentosos.
Conclusão
Mais uma vez, Calvino reaparece como inspiração para uma liderança sensata e ponderada. Nesta postagem, tentei apresentá-lo como ele era, mas talvez de uma forma que seja menos conhecida no mundo teológico. Mais do que um teólogo, foi um humanista na tradição renascentista. Mais do que um intelectual talentoso, foi um líder humilde. Percebido como um disciplinador severo, ele também conhecia o poder da graça de Deus. Portanto, é com certa tristeza que leio críticas a Calvino de gigantes da literatura, como C. S. Lewis e G. K. Chesterton. Estou convencido de que eles estão interagindo com caricaturas dele, seja por calvinistas ou não, ao invés do homem e seu ministério.
Referências bibliográficas
[2] Essas palavras foram tiradas do Breve Catecismo de Westminster (1647), um conhecido documento calvinista.
[3] JOHNSON, Eric J. Foundations for Soul Care (Downers Grove: IVP Academic, 2014), p. 433.
[4] John Calvin: Commentaries, Library of Christian Classics (London: SCM Press, 1958), p. 53.
[5] BONNET, Jules (ed.). Letters of John Calvin, Vol. 2. (Philadelphia: Presbyterian Board of Publication), 1858, p. 20.
_______________________________
Tradução: Calvino21 | Lucas Guimarães
Referência para citação: WRITE, B. G. Pastoreando como um teólogo: seis lições da vida e obra Calvino. Disponível em: https://www.calvino21.com.br/2021/08/pastor-como-um-teologo-seis-licoes-de.html.
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