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Destaques

✢ LANÇAMENTO: LIVRO "CALVINO, CIÊNCIA E FAKE NEWS"

  Não é sem imensa expectativa e alegria que se empreende a publicação da décima primeira obra de caráter temático calviniano da Série Calvino21 , sob autoria do Rev. J. A. Lucas Guimarães, historiador, teólogo e organizador do Calvino21 , intitulado  CALVINO, CIÊNCIA E FAKE NEWS:  a invenção da oposição calviniana à Ciência moderna na historiografia do século XIX.   Principalmente, ao considerar a singularidade do conteúdo, o nível do conhecimento alcançado e o caráter da percepção do passado envolvida, disponibilizados à leitura, reflexão e intelectualidade, caso o arbítrio do bom senso encontrado, esteja em diálogo com a coerência da boa vontade leitora. Com a convicção da pertinência da presente obra ao estabelecimento da verdade histórica sobre a postura de João Calvino (1509-1564) diante dos ensaios preparatórios no século XVI  ao início da Ciência Moderna ocorrido no século XVII,  representado por Nicolau Copérnico (1473-1543) com sua teoria do movimento da Terra ao redor do Sol

✢ CALVINO E ÉTICA: ASPECTOS RELEVANTES À COMPREENSÃO

 

Dr. Antonio Máspoli *

A cosmovisão que traduz os valores e até mesmo a ideologia de um determinado povo ou grupo social é a base para a construção da ética e da moral deste povo ou grupo. A Ética, derivada do grego ethos é teórica, e se constituiu no conjunto de princípios que traduzem a vontade moral de um grupo social específico. A ética pode ser definida também como o estudo crítico da moralidade. Consiste na análise sistemática da natureza moral humana, incluindo aqueles padrões que a sociedade considera certo ou errado e suas implicações para as atitudes morais do indivíduo. Já a moral, derivado do grego moris, é essencialmente prática, é a tradução ou aplicação do conjunto de valores éticos numa situação social concreta. É em última análise o valor regulador das relações interpessoais, que contribuem para a edificação das relações e dos contratos sociais estabelecidos entre os indivíduos, grupos ou instituições. Um código de ética, portanto, é uma explicitação dos princípios éticos de um grupo e sua aplicação prática na conduta do indivíduo no seio de uma determinada comunidade.

A ética calvinista é derivada dos preceitos contidos nas Sagradas Escrituras do Velho e do Novo Testamento e na tradição humanista do cristianismo, perpetrada nos escritos do Apóstolo São Paulo, Santo Agostinho, São Tomas de Aquino, Martin Lutero, João Calvino, dentre outros renomados. A ética calvinista postula que Deus é soberano sobre todo o universo e toda a criação e que o homem foi criado a sua imagem e semelhança. Imagem e semelhança entendia aqui em sentido ético e moral. O homem reflete em sua natureza, embora decaída, aqueles atributos de Deus ligados à ética e a moralidade como o amor, a justiça, a santidade e a autodeterminação. O homem é livre para fazer a vontade de Deus.

A ética pressupõe liberdade e responsabilidade, estando preocupada diretamente com todos os atos livres de cada indivíduo que faz parte desta instituição. A liberdade moral significa a capacidade de autodeterminação no sentido de que somos livres para escolher o bem em lugar do mal, a luz em lugar das trevas, o certo em lugar do errado, a verdade em lugar da mentira, o altruísmo em lugar do egoísmo, o amor em lugar do ódio.

O relacionamento do homem com Deus decorre do amor de Deus ao homem através de Cristo e do amor deste a Deus, a si mesmo e ao seu próximo. O amor a si mesmo deve se expressar em termos de autopreservação e cuidados pessoais. Já o amor ao próximo deve ser manifestado por meio do trabalho em favor do bem estar da comunidade, diz Weber (1994, p. 75):

“A atividade social do cristão no mundo é primeiramente uma atividade in majorem gloriam Dei. Este caráter é assim partilhado pelo labor especializado em vocações, justificado em termos de amor ao próximo. [...] O amor ao próximo - desde que só podia ser praticado para a glória de Deus não em benefício da carne – é expresso em primeiro lugar, no cumprimento das tarefas diárias dadas pela lex naturae, assumindo então um caráter peculiarmente objetivo e impessoal – aquele de serviço em prol da organização racional do nosso ambiente social.”

Também no quarto Livro das Institutas encontram-se aspectos fundamentais da ética calviniana sobre o corpo, a separação entre os limites da ética da vida pública e da vida privada e mesmo sobre o trabalho. Estas questões poderão ser matéria de pesquisas posteriores por este e, ou por outros pesquisadores. Estes aspectos serão citados aqui de forma extremamente esquemática apensas para servir de referência a trabalhos posteriores. Calvino foi o primeiro a propor a distinção entre a Igreja e o Estado, sendo por esta razão o precursor dos limites entre a ética da vida pública e a ética da vida privada. Na sua concepção o Estado e tudo o que lhe diz respeito estaria na ordem da ética da vida pública e a Igreja nos limites da ética da vida privada. Esta contribuição foi fundamental para o surgimento dos estados nacionais, especialmente na França e posteriormente para o nascimento do Estado laico. A realidade do estado laico foi desconhecida no Brasil até meados do século XIX quando da proclamação da República em 15 de novembro de 1989. Sobre este tema convém consultar a obra de Skinner (1996), As Fundações do Pensamento Político Ocidental.

Outro aspecto relevante do pensamento político de João Calvino também decantado por Skinner (1996) e desenvolvido numa tese de doutorado por Silvestre (2002) consiste naquilo que se convencionou denominar a resistência ao governo civil. Calvino foi o primeiro a levantar a questão dos limites da submissão e da resistência às autoridades constituídas por Deus. Tema este posteriormente aprofundado por Bonhoeffer (1980), na obra Resistência e Submissão. Atualizando a interpretação calviniana pode-se afirmar que para ele a autoridade que deve ser acatada é aquela que permanece fiel a Deus e a sua Palavra, submissa as leis. Este ensino de Calvino segundo Skinner é o pressuposto fundamental da construção e florescimento da democracia em alguns países da Europa ocidental tais como a França, Inglaterra e Escócia, só para citar alguns. Escrevendo sobre as autoridades como ministros de Deus para executar os seus juízos Calvino (1967, p. 1172) afirma:

“Porque quanta é a integridade, prudência, clemência, moderação e inocência que deve possuir aquele que se reconhece como ministro da justiça divina? Com que confiança buscarão realizar sua sede de justiça sobre qualquer iniquidade, sabendo que julgam por delegação do trono do Deus vivo? Com que atrevimento pronunciarão sentença injusta com sua boca sabendo que esta foi consagrada para ser instrumento da verdade de Deus?

E ainda:

[...] Se existirem magistrados do povo, não é parte de minhas intenções proibi-los de agir em conformidade com seu dever de resistir à licenciosidade e ao furor dos reis; ao contrário, se eles forem coniventes com a violência desenfreada e suas ofensas contra as pessoas pobres em geral, direi que uma tal negligência constitui uma infame traição de seu juramento. Eles estão traindo o povo e lesando – o daquela liberdade cuja defesa sabem ter-lhes ordenada por Deus (Calvino, 1967, p. 1193).

Cabe também registrar que ainda não se estudou no Brasil a ética do corpo em João Calvino e suas implicações sobre a vida dos calvinistas. Para este renomado reformador o corpo é o templo do Espírito Santo e este postulado sem dúvida traz implicações para a compreensão do corpo humano em todas as suas dimensões que merecem uma pesquisa a parte. Neste ensaio serão apontados apenas alguns aspectos da ética calvinista que sirvam de pedra de toque para uma reflexão crítica sobre a ética protestante de Weber.

Em João Calvino as questões éticas aparecem de forma embrionária. É necessário um esforço hermenêutico para uma melhor sistematização do seu pensamento neste campo. Pode-se tomar como exemplo a ética do trabalho. Segundo Febvre (2002) Calvino considerava todos aqueles que trabalhavam como operários de Deus. Possivelmente seguindo a lógica luterana sobre a vocação que considerava como vocação todo o trabalho religioso ou não que fosse realizado para a glória de Deus. Os trabalhos de Biéler (1990) e Prades (1966) são tentativas de compreender a ética calvinista do trabalho, a partir da perspectiva weberiana.

Outro aspecto importante que se deve considerar sobre a ética de Calvino consiste na afirmação do cristão como eleito de Deus. A crença calvinista na eleição resolve nesta vida o problema existencial do destino eterno do homem e o desafia a se transformar num cidadão do reino de Deus. Este status de cidadania espiritual deverá levá-lo a assumir paulatinamente sua condição de cidadão do mundo com todas as suas implicações e responsabilidades. O desafio do cristão reside então em viver os princípios éticos nas suas relações interpessoais com Deus consigo mesmo e com o próximo de forma objetiva. O mundo é a clausura do cristão; segundo Calvino (1967, p. 80) somos templos de Deus, templos do Espírito Santo:

“Por esta razão São Paulo conclui que somos templos de Deus, por seu Espírito que habita em nós (1Co. 3.17; 6.19; 2Co. 2.6). [...] E o mesmo apostolo com idêntico sentido algumas vezes nos chama templos de Deus e outras templos do Espírito Santo.”

O amor pelo próximo deve ser expresso na forma de trabalho em favor do bem estar da coletividade, aquela ideia totalmente esquecida em nossa sociedade da busca do bem comum como bem supremo. A ética calvinista é um desafio a busca deste bem supremo posto que o homem deve envolver-se na construção da cidade de Deus, isto é na consecução do reino de Deus entre os homens.

Bibliografia

BIÉLER. André. O pensamento econômico e social de Calvino. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990.
BONHOEFFER. Dietrich. Resistência e Submissão. 2. Ed. Rio de Janeiro, Rio grande do Sul: Paz e Terra, Sinodal, 1980.
CALVINO, Juan. Institución de la religion cristiana. Traducida y publicada por Cipriano de Valera en 1597. Nueva edicion revisada en 1967. Países Bajos: Fundacion Editorial de Literatura Reformada, 1967. Vol I e II.
PRADESS, J. A. La sociologie de la religion chez Max Weber. Louvain: Nauwerlaerts, Paris: Nauwerlaerts, 1966.
SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
SILVSTRE, Armando Araújo. O direito de resistir ao Estado no pensamento de João Calvino. São Paulo: Universidade Metodista. Tese de doutorado em Ciências da Religião: teologia e história. 2002.
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. 8. ed. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1994.
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* Rev. Antônio Maspoli é doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo e autor do artigo sob título O pensamento de João Calvino e a ética protestante de Max Weber, aproximações e contrastes, do qual a presente postagem é parte. Disponível em: https://pt.linkedin.com/pulse/o-pensamento-de-jo%C3%A3o-calvino-e-%C3%A9tica-protestante-max-weber-maspoli.

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