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Destaques

✢ LANÇAMENTO: LIVRO "CALVINO, CIÊNCIA E FAKE NEWS"

  Não é sem imensa expectativa e alegria que se empreende a publicação da décima primeira obra de caráter temático calviniano da Série Calvino21 , sob autoria do Rev. J. A. Lucas Guimarães, historiador, teólogo e organizador do Calvino21 , intitulado  CALVINO, CIÊNCIA E FAKE NEWS:  a invenção da oposição calviniana à Ciência moderna na historiografia do século XIX.   Principalmente, ao considerar a singularidade do conteúdo, o nível do conhecimento alcançado e o caráter da percepção do passado envolvida, disponibilizados à leitura, reflexão e intelectualidade, caso o arbítrio do bom senso encontrado, esteja em diálogo com a coerência da boa vontade leitora. Com a convicção da pertinência da presente obra ao estabelecimento da verdade histórica sobre a postura de João Calvino (1509-1564) diante dos ensaios preparatórios no século XVI  ao início da Ciência Moderna ocorrido no século XVII,  representado por Nicolau Copérnico (1473-1543) com sua teoria do movimento da Terra ao redor do Sol

✢ VIDA E OBRA DE CALVINO: ESBOÇO ESQUEMÁTICO

Dr. Antonio Máspoli *

Lessa (s.d.) traçou uma importante biografia de Calvino que passamos a considerar em nosso trabalho, além de outros autores. João Calvino nasceu em meio a uma teocracia. Nascido na cidade de Noyon, na França, aos 10 de julho de 1509, que era então uma pequena cidade eclesial, dominada por sua catedral e seu bispo, desde o nascimento já teve o conhecimento e a experiência do significado de um governo de uma sociedade dominada pelo clero e exercido em nome de Deus. Além do mais seu pai, Gerard Chauvin, era secretário do bispo e ao mesmo tempo era fiscal de condado, o que lhe dava condição econômica privilegiada para os padrões da época. Calvino, comparado aos critérios contemporâneos, teria nascido na classe média, pertencia à burguesia. Calvino perdeu sua mãe ainda muito cedo e este fato marcou profundamente a sua personalidade. Esta perda produziu um Calvino circunspecto, introvertido, fechado dentro de si mesmo, dono de uma riquíssima vida interior que mercê do Espírito Santo de Deus, produziu uma espiritualidade profunda e cautelosa. Tendo Gerard Chauvin ficado viúvo muito cedo, casou em segundas núpcias. João Calvino era ainda muito jovem quando isto aconteceu. Acreditam alguns historiadores que muito de sua sobriedade adviesse de uma estrita educação imposta pela sua madrasta, uma mulher refinada.

Três dos seus irmãos foram consagrados por Gerard Chauvin ao sacerdócio, numa tentativa de melhorar o patrimônio da família haja vista que na idade média as riquezas pertenciam ao clero e a nobreza. Um dos irmãos de Calvino, Charles, veio a se tornar um herético e morreu recusando-se receber os sacramentos, depois de haver se tornado um clérigo em Noyon. Pouco antes de morrer foi excomungado pela Santa Sé. Somente seu irmão mais novo, Antonie, e uma de suas duas meias-irmãs, Marie, adotaram a fé Protestante de Calvino e mais tarde o seguiriam para Genebra. Calvino latinizou o nome da família Chauvin para Calvinus de onde veio mais tarde dar no francês Calvin.

Irwin (1947) registra que Calvino estudou em Noyon. Depois, aos 14 anos de idade, foi enviado por seu pai a Paris, aonde viria estudar na Universidade de Paris. Ele se matriculou no famoso Collége de la Marche, onde ensinavam ilustres professores, como o latinista Mathurin Cordier e que viria mais tarde passar os seus últimos anos na companhia de seu ex-pupilo em Genebra. Dali, ele passou para o, ainda mais famoso, Collége de Montaigu, aonde viria encontrar alguém que teria uma profunda influência na sua vida acadêmica, que exercia uma forte influência sobre todo o corpo docente da escola: o intelectual conservador, Noel Beda. Ainda que mais tarde, Calvino viesse a se afastar do conservantismo de Beda, aprendeu com ele, em suas aulas de lógica, a grande arte da argumentação, que iria expressar em todo seu esplendor, na sua obra teológica. Registra-se que uma crise entre seu pai e a igreja ajudou nesta mudança que foi precipitada por uma disputa financeira entre seu pai e a catedral de Noyon, tendo o mesmo, mais tarde, sido também excomungado pela Igreja Católica Apostólica Romana.

Convém destacar que no mesmo ano de 1528, em que Calvino deixou a Montaigu, lá chegou àquele que viria ser seu mais austero rival, Inácio de Loyola, o fundador da Companhia de Jesus e um dos maiores estimuladores da Contra Reforma. Ao mesmo tempo em que estudava Direito em Orleans, estudava grego com Melchior Wolmar, um alemão de tendência luterana, e assim vislumbrou a possibilidade de se tornar um humanista. Com a morte de seu pai, porém, em 1531, após completar o seu doutorado em Direito, ele dedicou-se de corpo e alma ao estudo de línguas e de literatura, tendo, como consequência de seus dois novos interesses, a literatura e as ideias do florescente luteranismo. Ainda não se conhece no Brasil a influência de Lutero sobre Calvino.

Em 1532, Calvino publica o seu primeiro livro, um comentário à obra De Clementia de Sêneca, este livro, Calvino já procurava induzir o Rei Francisco I a exercer clemência para com os protestantes da França. Segundo um dos seus maiores estudiosos; na contemporaneidade, John T. MacNeill, esse livro tinha como intenção induzir o Rei Francisco I, a exercer clemência para com os Protestantes da França. Calvino demonstrava neste seu trabalho uma óbvia simpatia para com a causa Protestante, mas a oportunidade deveria forçar um pouco as coisas de modo que, um amigo íntimo de Calvino, Nicolas Cop, foi nomeado reitor da Universidade de Paris em 1553, e o seu discurso de posse recheado de críticas aos censores da Sorbonne, com citações que começavam com Erasmo, passando pela Doutrina Luterana da Justificação pela Fé, terminava com um veemente apelo para uma maior tolerância em relação às novas ideias religiosas da reforma protestante.

O resultado foi tremendo, Nicolas e todos os seus amigos tiveram que abandonar Paris, ficando o mesmo com a cabeça a prêmio. Sem dúvida, este incidente acelerou a aproximação de Calvino com o grupo Protestante. Na sua fuga para Angoulême, Calvino encontrou na rica biblioteca de Louis de Tillet, a paz e a oportunidade para escrever suas Institutas. Depois de uma certa clandestinidade, Calvino volta a Noyon, é reconhecido, preso, solto e preso novamente para ser solto pouco tempo depois. Volta a Paris onde alguns simpatizantes dos Protestantes haviam colocado alguns cartazes desafiadores em vários pontos da cidade, o que fez recair uma violenta perseguição decretada por Francisco I sobre a Igreja. Calvino foge em tempo e se reúne a Cop em Basel, isto em 1534. E é lá, que um jovem de apenas 26 anos de idade conclui a mais eloquente, fervorosa, lúcida, influenciadora e terrível obra em toda a literatura da revolução religiosa, Christianae Religionis Institutio, ou as Institutas da Religião Cristã.

Numa noite de Agosto de 1536, Calvino parou em Genebra para dormir, e naquela mesma noite ele foi procurado por um homem mais velho do que ele, um evangelista, que liderava a pregação do Evangelho em Genebra, Guilherme Farel. Farel instou para que Calvino ficasse em Genebra e o ajudasse na liderança da Igreja, Calvino relutava, afirmando que era um homem de letras, de estudos e não um pastor. A certa altura da conversa, Farel elevou a voz e bradou, com sua voz de pregador experimentado:

– Digo-te em nome de Deus Todo Poderoso, que estás apresentando os teus estudos como pretexto. Deus te amaldiçoará se não nos ajudares a levar adiante o seu trabalho, pois doutra forma estaria buscando a tua própria honra, em vez da de Cristo (ad tempora).

Calvino não tinha mais o que discutir, aceitou o cargo. Febvre (2002) registra este fato:

Ali está. Em 21 de maio de 1536, havia feito com que o povo prestasse juramento de fidelidade ao evangelho. Foi um êxito. Mas impunha-se-lhes uma tarefa enorme: a de organizar a nova vida religiosa da cidade e, por intrépido que fosse, Farel conhecida suas limitações. Não era um grande teólogo. Nem um grande organizador. Titubeava, encontrava-se sozinho – e ele, apesar de audacioso, não se atrevia. De repente, soube da chegada de Calvino. Um desconhecido, ou pouco menos. Farel, já sabia quem ele era. Quem sabe tivesse lido o livro em latim do qual falávamos há pouco, o livro que o picardo errante levava em mente pelos caminhos do exílio e que finalmente tinha publicado em Estrasburgo, em 1535, O Institutio Christiana. Em todo caso, Farel tinha lido os prefácios que Calvino escrevera para o Novo testamento, traduzido ao francês, em Neuchâtel, pelo seu primo Olivetan. Portanto, ele não duvida. Corre à pousada e ameaça Calvino. “Fique. Ajude-me. Deve fazê-lo. A obra de Deus te requer, necessita de operários.” Calvino vacila, recusa, invoca sua magreza, sua inexperiência. Farel ressoa, convoca a cólera divina, atemoriza seu interlocutor. Finalmente, arranca-lhe o consentimento. Calvino fica.

Nesta sua primeira fase do seu ministério em Genebra, o que realmente se pode contar sobre Calvino, foi o seu tremendo esforço para cristianizar a cidade, e sua vitória contra aos Católicos Romanos em Lausane, quando Calvino demonstrou as suas grandes qualidades de orador, erudito e teólogo. No entanto, a oposição a Calvino cresceu na pessoa do grupo chamado de Libertinos, que eram os libertários da época, os progressistas, nas arte e nos costumes, de muita influência em Genebra, e o Reformador e seu amigo Farel, tiveram de abandonar a cidade, para alguns poucos anos de exílio. No exílio, Calvino tornou-se pastor de uma Igreja de franceses na cidade de Germânica de Strasbourg. Em Strasbourg, Calvino veio a conhecer a viúva Idelete de Bure, com quem veio a contrair suas núpcias Farel, seu fiel companheiro, veio à cidade presidir a cerimônia.

A saída de Calvino abalou os alicerces da nascente reforma em Genebra. A igreja percebeu o quanto necessitava do seu trabalho e através dos Síndicos e dos Conselheiros de Genebra, a 22 de outubro de 1540, solicitam a volta do reformador. A 23 de outubro do mesmo ano este respondeu afirmativamente a referida carta e numa terça-feira de setembro, dia 13, de 1541, o Reformador adentrou a cidade de Genebra, retornando para cumprir a vocação que segundo o mesmo, que Deus lhe reservara.

Nesta sua nova estada em Genebra, grande era o labor que o aguardava. A cidade precisava ser organizada nos moldes do novo cristianismo bíblico reformado, mas para isso precisava mudar a vida espiritual do seu povo, e Calvino pôs mãos à obra, pregando o Evangelho e enviando ao Conselho da Cidade, uma proposta de regulamentos a fim de reorganizar a vida política e inclusive os usos e costumes da cidade. Em meios a estes trabalhos, Calvino viu a sua fiel esposa partir para a Glória, no dia 29 de março de 1548. Viúvo, porém, sempre fiel aos designos do mestre, o homem não se abateu, continuou a sua tarefa. Dinamizou a igreja da cidade. Organizou um Consistório que deveria dirigir a vida da mesma, cuidando da fiscalização do ministério e do cumprimento das leis estabelecidas dentro dos princípios escriturísticos segundo a concepção reformada. No entanto, ainda desta vez os Libertinos não se deram por vencidos, e empreenderam suas intrigas contra Calvino.

Outro grande problema que Calvino teve de enfrentar nesta época foi o caso de Miguel de Serveto. Este apareceu em Genebra afirmando que as Escrituras Sagradas nada falavam sobre o Dogma da Trindade. Serveto insistia ainda que Jesus não era o Filho Eterno de Deus, mas apenas um homem. Em Genebra esta pregação representava um grande perigo para a Igreja florescente, logo o Conselho da Igreja tomou as providências de prendê-lo. Preso foi levado a julgamento, as leis da época o exigiam, mas é bom deixar claro que o poder de sentenciar Serveto, não estava nas mãos de Calvino, e sim, nas mãos do Conselho de Genebra, o Pequeno Conselho, contudo aquele grande reformador nada fez para impedir a condenação de Miguel de Serveto. Este depois de um processo sumário foi condenado e em 27 de outubro em 1553, com seus livros amarrados entre os braços, inclusive suas Restitutas, livro onde expunha sua teologia divergente, foi queimado na colina de Champel. Este episódio tem sido utilizado pelos inimigos de Calvino para denegrir a sua obra. Contudo é bom lembrar que a condenação daqueles que a igreja considerava hereges era uma prática da época iniciada implantada e validada pela Igreja Católica Romana que não só a aprovava como a utilizava sistematicamente na condenação de protestantes e mulheres acusados de bruxarias.

Continuando em sua missão de converter Genebra João Calvino divisou na educação um poderoso instrumento de evangelização e formação de liderança para a nascente igreja reformada, como demonstrou Gomes (2000). No dia 05 de junho de 1559, uma segunda-feira, Calvino celebrou a cerimônia inaugural da Academia de Genebra. Esta Academia, ao que parece, foi tão importante para a Reforma, quanto foram as Institutas, e a vida do Reformador francês. Lessa (s.d., p. 243) registrou:

Os começos eram humildes. Cinco professores apenas formavam o quadro: Dois de teologia, um de hebraico, outro de grego e outro de filosofia. Em seu discurso inaugural, Calvino prometera cursos de direito e medicina para mais adiante. O de direito foi inaugurado um ano depois de sua morte. Com o andar dos tempos a Academia tornou-se Universidade. O reformador limitou-se a ensinar teologia no notável instituo.

Nela se aglutinaram homens de todos os lugares sob o lema “O temor do Senhor é o princípio da sabedoria” (Pv. 1.7), que resplandecia em um de seus pilares. A Academia supra citada tornou-se um modelo de Escola de primeira linha, e nela estudaram homens como Jonh Knox, o Reformador da Escócia. A esta altura dos acontecimentos o tabernáculo terrestre de Calvino já estava se desfazendo e a 27 de maio de 1564, foi lavrado na Ata do Conselho da Igreja onde pastoreava: “Chamado à presença de Deus, no Sábado, 27” (apud Lessa, s.d., p. 267; Febvre, 2002, p. 27).

Assim resumiu a vida de Calvino: “Fazer o que Deus quer. Recordemos que Calvino, em sua vida inteira, obedeceu aos chamados de Deus.”

Bibliografia

ALMEIDA, Antonio. Curso de doutrina bíblica. Segundo a orientação dos catecismos e da Confissão de Fé da Assembleia de Westminster. São Paulo: Casa editora Presbiteriana, 1959.
CALVINO, Juan. Institución de la religion cristiana. Traducida y publicada or Cipriano de Valera en 1597 por Luis de Usoz y Río en 1858. Nueva edicion revisada en 1967. Países Bajos: Fundacion Editorial de Literatura Reformada, 1967. Vol I e II.
FEBVRE. Lucien. Esboço de um retrato de João Calvino. São Paulo: Mackenzie. Cadernos de Pós-Graduação, 2002.
HODGE, Alexander A. Confissão de Fé de Westminster comentada por Alexander A, Hodge. Tradução Valter Graciano Martins. São Paulo: Editora Os Puritanos, 1999.
IRWIN, C. H. Juan Calvino, sua vida y sua obra. México: Casa unida de Publicaciones, 1947.
LESSA, Vicente da Cruz Themudo. Calvino, 1509-1564: sua vida, sua obra. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, s.d.
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* Rev. Antônio Maspoli é doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo, foi Diretor da Escola Superior de Teologia e Coordenador do Mestrado em Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie e autor do artigo sob título O pensamento de João Calvino e a ética protestante de Max Weber, aproximações e contrastes, do qual a presente postagem é parte. Disponível em: https://pt.linkedin.com/pulse/o-pensamento-de-jo%C3%A3o-calvino-e-%C3%A9tica-protestante-max-weber-maspoli.

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