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✢ UMA INTRODUÇÃO À INSTITUTAS
Derek Thomas *
A frase de abertura da Institutas da Religião Cristã, de João Calvino, por si só, vale a contemplação de uma vida inteira: "Quase toda a sabedoria que possuímos, isto é, a sabedoria verdadeira e sólida, consiste em duas partes: o conhecimento de Deus e de nós mesmos."
O que há em Calvino que me inspira tanto? Isto: seu estilo disciplinado, sua determinação de nunca especular, sua total submissão às palavras da Bíblia como palavras de Deus, sua submissão ao senhorio de Cristo, seu senso do santo, sua preocupação em ser o mais prático possível e o fato de que uma vida piedosa era seu objetivo e não a teologia a causa disso. Em uma floresta de teólogos, Calvino se ergue como um Redwood californiano, elevando-se sobre todos os demais.
A Institutas começam com uma introdução, "Ao Leitor", fazendo referências ao "sucesso" inesperado da "primeira edição" (1536), a natureza "resumida" de seu conteúdo, a publicação de outras edições (em latim: 1539, 1543, 1550 e 1559; e em francês: 1541 e 1560) e a esperança de que, nesta edição (1559), ele tenha "fornecido algo que todos vocês aprovarão." Escrita no inverno de 1558, quando nas garras de uma febre, que ele acreditava ameaçar sua vida, e um boato de que ele havia desertado "para o papado". Seu objetivo, ele nos diz: é "beneficiar a igreja mantendo na pura doutrina da piedade" e fornecendo "a soma da religião em todas as suas partes", arranjada de maneira a indicar o que é fundamental na doutrina.
Calvino via a Institutas como uma criada para seus comentários, os quais, como ele explica na Epístola Dedicatória ao seu comentário sobre Romanos, escritos com "brevidade lúcida". O exegeta não pode interpretar corretamente sem o controle da formulação teológica sistemática. A parte não pode ser compreendida sem uma compreensão firme do todo. Os leitores dos comentários de Calvino precisam ter uma cópia da Institutas em mãos.
A Institutas, como a temos agora, é o resultado do pensamento e da reflexão da vida inteira de um dos maiores teólogos que a Igreja já conheceu. Em parte, ao passar de seis para oitenta capítulos, reflete o próprio crescimento de Calvino em sua compreensão da vida cristã. Em todas as suas páginas, ele reflete, como indicava o prefácio da primeira edição, não tanto (como em Tomás de Aquino) uma soma de toda a teologia (summa theologiae), mas uma soma de toda a piedade (summa pietatis). Teologia e ética têm uma relação simbiótica.
Embora a própria Institutas tenha crescido cinco vezes da primeira à quinta edição, o conteúdo do prefácio escrito ao rei Francisco I permaneceu basicamente o mesmo. O precedente para a publicação de um ensaio teológico introdutório ao Rei foi estabelecido por Guilherme Farel e Ulrico Zuínglio em 1525. Assim, em 1536, por ocasião da primeira edição da Institutas, Calvino escreveu o que na verdade era uma carta (um "Discurso Prefatório") ao Rei, que foi incluída em todas as edições seguintes, tanto em latim como em francês. Embora pequenas mudanças tenham sido feitas, refletindo desenvolvimentos históricos, na década de 1550 na França e em outros lugares, Calvino manteve a data original no fechamento do Discurso: "Em Basel, em 1º de agosto do ano 1536."
À ocasião, falsos rumores sobre os evangélicos que sem dúvida o rei estava disposto a acreditar, exigia de Calvino firmeza e sutileza em persuadir Sua Majestade a examinar a acusação com justiça, de fato, será o que é próprio de sua liderança que ele faça isso! O caso de Calvino é que todas as questões sejam julgadas de acordo com a "analogia da fé", isto é, de acordo com o que as Escrituras ensinam (corretamente interpretadas). Por esta causa, "acorrentados com ferros, alguns espancados com varas, alguns levados como motivo de riso, alguns proscritos, alguns mais selvagemente torturados, alguns forçados a fugir. Todos nós somos oprimidos pela pobreza, amaldiçoados por terríveis execrações, feridos por calúnias, e tratada da forma mais vergonhosa." Como Calvino comentou em 1ª Pedro 1.11: "A Igreja de Cristo foi desde o início constituída de tal maneira que a cruz foi o caminho para a vitória e a morte uma passagem para a vida."
O antagonismo de Roma em relação aos reformadores, e Calvino em particular, era que o que eles ensinavam era "novo" e "de nascimento recente". A esta acusação Calvino responde com sentimento evidente: "Em primeiro lugar, ao chamá-lo de 'novo', eles fazem um grande mal a Deus, cuja Palavra Sagrada não merece ser acusada de novidade. Na verdade, não tenho dúvidas de que é novo para eles, visto que para eles tanto o próprio Cristo como o seu evangelho são novos. Mas aquele que sabe que esta pregação de Paulo é antiga, que 'Jesus Cristo morreu pelos nossos pecados e ressuscitou para a nossa justificação' [Rm. 4.25], não encontrará nada de novo entre nós."
Para Calvino, um apelo às Escrituras é em si mesmo um apelo a algo antigo! Mas o argumento de Calvino permanece vulnerável à acusação de que os Reformadores estavam desconsiderando o ensino da Igreja – ensino que tinha 1.500 anos de precedência.
A acusação pode ser deixada de lado levianamente em uma época em que a modernidade é valorizada acima da antiguidade, mas era uma acusação séria e potencialmente mortal em meados do século dezesseis. Os reformadores não se viam como os anabatistas faziam, ao formar uma nova igreja. Eles se viam na linha da igreja antiga e dos pais da igreja primitiva, e talvez em menor grau na igreja do período medieval.
Calvino não se comoveu com a acusação. Não porque considerasse a questão irrelevante, mas porque sabia que a antiguidade estava do seu lado: "Se a disputa fosse determinada pela autoridade patrística, a maré da vitória – para colocá-lo muito modestamente – viraria para o nosso lado." É quase inimaginável que tal coisa pudesse ser dita do evangelicalismo quinhentos anos depois.
Então, como a verdadeira igreja deve ser conhecida? A resposta de Calvino no prefácio da Institutas é clara: é conhecida pela "pregação pura da Palavra de Deus e pela administração legítima dos sacramentos." Ao contrário da insistência romana de que a igreja é sempre marcada por grande pompa e sempre visível, Calvino (talvez para o encorajar os evangélicos sitiados na França, que se reúnem secretamente em pequenos números e sem ostentação) lembra ao rei Francisco que a igreja muitas vezes apareceu, minimamente de forma gloriosa aos olhos humanos, tanto no Antigo Testamento quanto na história da igreja.
É importante ver essa ênfase na igreja em Calvino. Ele comentou sobre o Salmo 115.17: "Toda a ordem da natureza seria subvertida, a menos que Deus preservasse a igreja. Pois a criação do mundo não serviria a nenhum propósito se não houvesse pessoas para invocar a Deus." E é bom lembrar que Calvino foi, em todos os momentos de sua vida adulta e ministério, um pastor e também um teólogo.
O tom rançoso dessas seções do prefácio, destinadas como são contra os bispos e prelados da Igreja Romana, não são uma indicação da visão deprimente de Calvino da igreja e da facilidade com que se poderia criticá-la ou abandoná-la. Pelo contrário, Calvino via o cisma como "o pior e mais prejudicial mal na igreja de Deus" (Comentário sobre João 9.16), e advertiu no Livro 4 da Institutas que "é sempre desastroso deixar a igreja" (IV.1.4). Nas palavras de Charles Partee: "Calvino insistia que os protestantes eram reformadores da igreja, não seus deformadores" (The Theology of John Calvin. Westminster: John Knox Press, 2008, 267).
"Catabatistas" é o termo de Calvino para "anabatistas" - os radicais do século dezesseis que basicamente não queriam nada com o estado terreno, e não encorajavam a preocupação com o cargo de um magistrado ou, neste caso, o monarca. Calvino está ansioso para demonstrar ao rei que os protestantes, embora críticos de questões religiosas, são de uma natureza diferente. Os protestantes provam ser cidadãos leais, oram regularmente pelo Rei, demonstram coragem e fortaleza como cidadãos e soldados, e são o sal da terra. Calvino está falando de si mesmo nestas linhas finais do prefácio: falando, digamos, com referência pessoal e autodefesa atípicas. Empregando um toque de ironia, Calvino admite: "Estamos, suponho, perseguindo vícios devassos!", já que isso é, presumivelmente, o que alguns estavam dizendo ao rei.
Na verdade, ele e seus companheiros evangélicos não estavam fazendo nada disso. No entanto, seus colegas estavam sendo tratados com brutalidade, alguns (como os cinco prisioneiros de Lyon puderam testemunhar) injustamente presos e enfrentando o martírio. É a obra de Satanás: "quando a luz que brilha do alto em certa medida despedaçou suas trevas, quando aquele 'homem forte' perturbou e assaltou seu reino [cf. Lucas 11.22], ele começou a sacudir sua costumeira sonolência e a pegar em armas."
O prefácio cresceu para o que agora parece ser um "pedido de desculpas em grande escala", e Calvino implora ao rei na esperança de que por essas palavras "possamos recuperar seu favor, se em um estado de espírito calmo e sereno leres uma vez esta nossa confissão, que pretendemos em vez de uma defesa perante Vossa Majestade."
Se o rei Francisco alguma vez viu Calvino ou sua Institutas sob uma luz melhor como resultado, é duvidoso. Nem podemos ter certeza se ele tenha lido este prefácio. Aqueles de nós, por outro lado, que têm (ou estão empenhados em fazê-lo neste ano quincentenário de seu nascimento) descobrirão uma mina que "continua se abrindo como um verdadeiro tesouro de sabedoria bíblica em todos os principais temas da fé cristã" (J. I. Packer. Prefácio. In:Theological Guide to Calvin's Institutes, Eds. David Hall e Peter Lillback. P & R: 2008, XIII).
_____________________* Título original: An intro to the Institutes. Disponível em: https://www.reformation21.org/blogs/an-intro-to-the-institutes.php.
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