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Destaques

✢ LANÇAMENTO: LIVRO "CALVINO, CIÊNCIA E FAKE NEWS"

  Não é sem imensa expectativa e alegria que se empreende a publicação da décima primeira obra de caráter temático calviniano da Série Calvino21 , sob autoria do Rev. J. A. Lucas Guimarães, historiador, teólogo e organizador do Calvino21 , intitulado  CALVINO, CIÊNCIA E FAKE NEWS:  a invenção da oposição calviniana à Ciência moderna na historiografia do século XIX.   Principalmente, ao considerar a singularidade do conteúdo, o nível do conhecimento alcançado e o caráter da percepção do passado envolvida, disponibilizados à leitura, reflexão e intelectualidade, caso o arbítrio do bom senso encontrado, esteja em diálogo com a coerência da boa vontade leitora. Com a convicção da pertinência da presente obra ao estabelecimento da verdade histórica sobre a postura de João Calvino (1509-1564) diante dos ensaios preparatórios no século XVI  ao início da Ciência Moderna ocorrido no século XVII,  representado por Nicolau Copérnico (1473-1543) com sua teoria do movimento da Terra ao redor do Sol

✢ SÍNTESE DO PENSAMENTO DE CALVINO NAS INSTITUTAS

Dr. Antônio Maspoli *

A obra de Calvino é imensa. Seria muito pretensiosa a intenção de querer em poucas palavras esquematizar uma obra descrita de acordo com as palavras acima. As Institutas, não foi à única obra de Calvino, tendo ele, entre outras, escrito um comentário detalhado para cada livro das Escrituras, o que demonstra e comprova sua rara capacidade de trabalho e produtividade. Estaremos resumindo neste trabalho apenas alguns aspectos da sua obra que sejam relevantes para compreender o seu pensamento e que atenda a finalidade desta pesquisa e para isto focalizaremos nosso trabalho nas Institutas. Não temos qualquer pretensão de originalidade apenas de contribuir para a divulgação do pensamento deste reformador, especialmente porque o calvinismo brasileiro veio da lavra norte americana eivado viés pietista que transformou o calvinismo de Genebra no puritanismo vitoriano.

Institutas da Religião Cristã

As Institutas estão divididas em quatro livros, que tratam das doutrinas da Igreja Cristã do seguinte modo:

— Livro I: Teodiceia, ou livro do conhecimento de Deus enquanto criador do mundo e de todas as coisas;
— Livro II: Cristologia, ou livro do conhecimento de Deus enquanto redentor: o contraste entre lei e evangelho;
— Livro III: santificação, ou livro da vida pela fé e a atividade santificadora do Espírito Santo que não age indiscriminadamente sobre todos, mas somente sobre os, eleitos de Deus, aqueles predestinados que são os que vivem pela Fé;
— Livro IV: eclesiologia, tanto no seu aspecto interno e no tratamento dos Sacramentos, como no seu relacionamento externo, com o poder secular ou civil.

As Institutas da Religião Cristã segue em seu escopo os grandes temas do Credo Apostólico, sendo, por isso mesmo, uma obra apologética de defesa do novo cristianismo bíblico reformado em face do velho cristianismo tradicionalista da Igreja Romana:

Livro I: Teodiceia ¬ “Creio em Deus Pai todo poderoso criador do céu e da terra” – Credo Apostólico

Neste primeiro livro, João Calvino trata claramente do Conhecimento de Deus em suas relações com o homem, não do conhecimento cognitivo que seria uma atividade mais humana e sim do conhecimento que provém da fé, que seria o mais elaborado tipo de conhecimento que provém do próprio Deus. Este conhecimento na concepção calvinista seria fruto da obra do Espírito Santo, que através da iluminação abre a mente e o coração do ser humano para compreender a verdade divina revelada na Bíblia Sagrada e aplica no coração do homem a obra redentora de Cristo na cruz do calvário. Deus se dá a conhecer ao homem, pois este não seria capaz, por livre iniciativa de ter conhecido de Deus em função da queda de Adão que degradou a natureza humana e obnubilou sua capacidade de conhecê-lo. Calvino usa duas palavras para falar deste conhecimento notitia e cognitio. Calvino, porém, usa as duas palavras mais ou menos misturadas, pois, para ele o conhecimento de Deus (notitia) deve ser sempre acompanhado de autoconhecimento que o homem deve ter de si mesmo (cognitio), que decorre do conhecimento revelado por Deus em Sua Palavra. Deus é para Calvino o totalmente outro, e que demonstra sempre sua absoluta perfeição em todos os seus atos, ao mesmo tempo em que permite ao ser humano conhecer sua condição de absoluta pobreza Calvino (1967, p. 4) especificamente afirma:

“Novamente é bem certo que o homem nunca atinge um conhecimento claro de si mesmo a menos que ele olhe primeiro na face de Deus e então desça dessa contemplação pra escrutinar-se, porque nós sempre nos sentimos justos, corretos, sábios e santos este orgulho é inato em todos nós a menos que através de provas claras sejamos conhecedores de nossa própria injustiça, torpeza, tolice e impureza.”

É evidente, portanto que o verdadeiro conhecimento de Deus (notitia) não pode ser encontrado no homem, porque embora ele seja naturalmente implantando na mente humana, ele é embotado, parcialmente pela ignorância e parcialmente pela má índole, consequência do pecado de Adão, que atingiu todo ser humano, e não apenas parte do ser humano como pretendia o tomismo. Embora ele não desenvolva plenamente uma epistemologia nesta sua primeira parte de sua Sistemática, é evidente a reação de Calvino ao realismo tomista que afirma que a existência de Deus pode ser conhecida tanto pela razão como pela revelação, e chegava mesmo apontar cinco vias de acesso a Deus. Para Calvino, havia no homem uma corrupção total, e nem seu espírito, nem seu corpo, nem sua mente escapavam da mancha do pecado.

Como podemos então, conhecer á Deus? Certamente que não pelo Universo em si, a revelação natural que embora seja uma manifestação da grandeza de Deus, nosso pecado não nos deixa percebê-lo, e tais manifestações passam por nós sem quaisquer benefícios, mas só pelas Escrituras Sagradas, a revelação especial, somos capazes de conhecer e apreender o conhecimento de Deus, pois é esta quem nos permite aprender as marcas que distinguem Deus, como criador do Mundo, da sua criação e de toda multidão de deuses fictícios. No calvinismo pietista, fruto dos reavivamentos norte americano todo o aspecto humanista do conhecimento de si mesmo, do auto conhecimento, fruto do conhecimento que o homem tem de Deus foi totalmente desprezado e hoje é absolutamente desconhecido. Segundo Calvino (1967, p. 5):

“Portanto é necessário que entre o conhecimento de Deus e de nós mesmo haja uma grande união e relação, a doutrina verdadeira requer que tratemos primeiro do conhecimento que devemos ter de Deus e fonte daquele que devemos ter de nós mesmos logo em seguida.”

As Sagradas Escrituras passam a ocupar o centro da teologia reformada. É neste ponto que o ensino de Calvino se mostra muito importante, pois, é aqui que o mesmo desenvolve melhor o seu conceito de Sola Scriptura [1] com um forte desprezo por aqueles que afirmam que as Escrituras dependem do aval da Igreja em suas decisões conciliares para ser considerada palavra de Deus. Ou que incluem na revelação a tradição cristã como é o caso da teologia Católica Apostólica Romana. Calvino (1967, p. 30) diz que:

“Um dos maiores perniciosos erros tem sido mantido de que a Escritura só tem valor quando ele for concedido pelo consentimento da Igreja. Como se a eterna e inviolável vontade de Deus pudesse depender da decisão de homens! Pois eles ridicularizam o Espírito Santo quando perguntam: Quem pode nos convencer de que estes escritos vieram de Deus? Quem pode assegurar-nos que as Escrituras vieram até nós completas e intactas até nossos próprios dias? Quem pode persuadir-nos a receber um livro com reverência e excluir outro, a menos que a igreja prescreva uma regra segura para todos estes assuntos? Qual a reverência que é devida ás Escrituras e quais os livros que devem ser colocados dentro de seu cânon depende, eles dizem, de uma determinação da Igreja.”

E mais adiante ele conclui com sua posição realmente apologética contra a primazia da tradição da igreja sobre as Escrituras Sagradas, asseverando:

“Assim, estes homens sacrílegos querendo impor-nos uma tirania sem limites sob a capa da Igreja, não se preocupam com os absurdos em que eles se emaranham e a outros desde que eles possam forçar esta ideia na mente dos mais simples: que a igreja tem autoridade sobre todas as coisas” (Calvino, 1967, p. 30).

Os ensinos calvinianos sobre a Bíblia Sagrada elevaram na a categoria de única regra de fé e prática na teologia pela confissão de fé de Westminster, conforme Hodge (1999) transformando o cristianismo, uma religião de tradição oral no catolicismo romano, numa religião de tradição escrita, literalmente na religião do Livro. Com este argumento Calvino não deixa nenhuma margem para a revelação natural sobre a salvação humana. Entende-se que este trecho é explicitamente dirigido ao argumento tomista da Lei Natural, segundo a qual, o homem pela razão e no exercício de sua vontade, poderia assimilar princípio esternos, não revelados. Na Bíblia Sagrada este argumento tomista é o fundamento da teologia católica especialmente no aspecto referente as boas obras. Calvino dirigiu-se, diretamente contra qualquer forma de Teologia Natural, afirmando sempre que o abismo entre Deus e o Homem é muito grande, e somente Deus poderia atravessar esse abismo.

Assim, Calvino começa a nos preparar para os dois livros seguintes da sua sistemática, sendo que o II, é sem dúvida o central na sua exposição, ou seja:

Livro II: Cristologia ¬ “Creio em Jesus Cristo, seu único filho, nosso Senhor. – Credo Apostólico

Calvino considera tanto o Velho quanto o Novo Testamento a fiel expressão da palavra de Deus. no final do livro I, quando considerando ainda as Escrituras, ele demonstra a justaposição do Velho e do Novo Testamento como instantes do antes e do depois do momento em que a palavra se tornou carne. Ele sustenta a ideia de que o Novo testamento era latente no Velho e este patente no Novo Testamento. E só por essa razão que existe um antes e um depois, o que nos traz diretamente ao mistério da pessoa de Jesus Cristo. Sua interpretação do Velho Testamento assim como do Novo Testamento, é que dão testemunho de Jesus, afirmando ser ele sem qualquer sombra de dúvida o Cristo, o filho unigênito de Deus. A sentença pela qual Calvino abre o seu capítulo 12, deste Livro II, é expressiva, posto que reafirma a doutrina da pessoa teantrópica de Jesus. Na verdade, a doutrina central de toda a teologia cristã, segundo a qual o Mediador é tanto verdadeiro Deus quanto verdadeiro homem. É, portanto, nessa condição que ele assume o papel de Redentor, pois era o único propósito de sua encarnação. Tal propósito já havia sido estabelecido desde o início e a imagem de Cristo deveria ter sido entendida nos sacrifícios da velha dispensação, os quais tinham a intenção de dar aos crentes a esperança de que Deus seria gracioso para com eles.

É, portanto, como Redentor que Cristo é descrito, e a seguir Calvino passa a discutir a obra da redenção a partir de dois aspectos que se completam: A ocasião da redenção e a sua necessidade em vista do pecado de Adão, que passou para todo o gênero humano. Sob o tema da ocasião da Redenção, Calvino trata dos seguintes tópicos: O pecado original: que é descrito por ele acima de tudo como desobediência a Deus. O pecado é descrito por Calvino como tendo como consequência a alienação de Deus. Na teologia calviniana o homem perdeu sua liberdade diante de Deus e passa a viver miseravelmente escravizado aos seus desejos e vive inconscientemente em total estado de desgraça e pobreza espirituais (Romanos 3). Somente o homem, que movido pelo Espírito Santo, sinta-se profundamente alarmado com sua condição e que tenha consciência de sua desgraça, pobreza, nudez e miséria é que se volta para Deus, na conversão e faz o maior progresso no conhecimento de si próprio, na santificação.

A única forma de superar esta condição humana de depravação total [2] é Cristo que representa em sua vida e sua obra, a intervenção divina a favor do homem, colocando-se entre a vontade pecadora do homem e a vontade misericordiosa de Deus, e é exatamente por isso que ele é Mediador. Cristo é na teologia calviniana a mais alta expressão da graça especial de Deus, no espírito de Romanos 8. O homem em nada pode ajudar na obra da sua salvação, sendo esta fruto da ação soberana de Deus que além de conceder a salvação, oferece todos os meios necessários para levá-la até a sua consecução. Toda a ação de Deus em favor dos seus eleitos por meio de Jesus Cristo Calvino considera como sendo a graça especial de Deus. Como deve atuar no homem, porém, esta graça alcançada em Cristo Jesus? Qual a maneira pela qual Deus torna efetiva a presença em nossos corações de poder salvado do Mediador? Assim, Calvino, começa a preparar no terceiro Livro das Institutas, vejamos o que Calvino (1967, p. 344) tem a dizer:

“Conclusão. Mas, sobre tudo é necessário apreender o que acabo de dizer: que o Filho de Deus nos deu uma excelente graça especial através da nossa relação com ele pela nossa participação em sua natureza, posto que Cristo havendo se encarnado, destruiu a morte e o pecado, a fim de que seu triunfo e vitória, pela fé fossem imputados a nós; porque Cristo ofereceu seu corpo e seu sangue em sacrifício, para destruir a condenação de Deus que pesava sobre nós, expiando assim nossos pecados e aplacando a justa ira de Deus pela nossa desobediência.”

Livro III: Santificação ¬ “Creio no Espírito Santo.” – Credo Apostólico

É através da ação especial do Espírito Santo que aqueles que foram predestinados por Deus para a salvação são convencidos de seus pecados e entram em comunhão especial com Cristo Jesus. Inicia-se, então, para o crente, um processo diferente da conversão e decorrente dela, que é a Santificação. Nesta parte das Institutas, Calvino irá tratar especialmente da doutrina da Fé, que vem até cada um de nós por uma atuação e graça do Espírito de Deus. O homem decaído não nasce com a fé, nasce apenas com a capacidade de crer. A fé calvinista é um Dom de Deus para seus escolhidos. (Ef. 2.1-10.) Tudo isso só acontece aquele que tem fé, mas não devemos nos esquecer que o homem não consegue a verdadeira fé por méritos próprios, mas pela doação de Deus como diz Paulo, “e isto não vem de vós, para que ninguém se glorie, mas sim de Deus” (Ef. 2.8-9). Portanto, aqueles a quem o Espírito Santo deu o privilégio de crer, também deu o privilégio de tornarem-se Filhos de Deus, aos que creem no seu nome, os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas da vontade de Deus, segundo João 1.12-13.

Calvino lançou então as bases para a sua premissa maior que a sua argumentação sobre mistério da eleição. Tudo isto deve ser decorrente da livre e soberana vontade de Deus a favor dos seus eleitos. Deus é soberano e não escolheu nenhum homem por mérito destes, como também não rejeitou algum por demérito. Ele que é soberano é que dá a conhecer, por meio da sua palavra, aos seus eleitos, através da mediação de Cristo, que eles são eleitos pela sua fé, e que por isso mesmo são justificados diante de Deus (Rm. 5.1). Assim, Calvino define fé como segue é um conhecimento firme e certo da benevolência de Deus para conosco, fundamentado sobre a verdade da promessa livremente dada em Cristo, sendo ao mesmo tempo revelada ás nossas mentes e selada em nossos corações através do Espírito Santo. Esta fé verdadeira produz um arrependimento verdadeiro que é a marca do convertido e que consiste principalmente da mortificação da carne e na regeneração de uma nova vida pelo Espírito. Aqui, Calvino demonstra sua afinidade e conhecimento dos argumentos de Lutero quanto à doutrina da Justificação pela Fé, refutando e demonstrando a fragilidade daqueles que aceitam a Justificação pelas obras como a Igreja Católica Apostólica Romana. Sua argumentação pode ser resumida pelo seguinte parágrafo:

“Cristo tendo sido dado a nós pela bondade de Deus é apreendido e possuído pela fé, por meio da qual nós obtemos em particular, um duplo benefício: (1) sendo reconciliados pela justiça de Cristo, Deus se torna ao invés de juiz, um Pai compassivo; e (2) sendo santificados pelo seu Espírito nós aspiramos a integridade e a pureza da vida”.

Podemos afirmar que os dois benefícios que a Fé produz no ser humano são a Justificação e a Regeneração. É considerado “Justificado” todo aquele que não é mais considerado pecador, mas justo; justificação sendo então a “aceitação que Deus nos dá e com a qual nos recebe como se fôssemos justos; e dizemos que esta justificação consiste no perdão dos pecados e na imputação da justiça de Cristo”. (Calvino, 1967, p. 557). A vida do justificado é mantida em contínua regeneração pela obra do Espírito Santo nele, e por sua vida de oração, pois a oração é o principal exercício da Fé e também o meio ou instrumento através do qual diariamente procuramos as bênçãos de Deus. Nada, porém, parece ter levantado maior celeuma, na dogmática de Calvino, do que os capítulos 21 e 24 do seu livro III, quando ele desenvolve, com incrível clareza e lógica, sua doutrina da Eleição ou Predestinação.

Como se pode notar, até este ponto, Calvino diverge muito pouco dos demais reformadores, mas é aqui, que sua presença tem sido mais marcante no mundo teológico. A influência dos estudos de Agostinho, sobre a Predestinação, em Calvino é imensa, e agora sua capacidade de argumentação e lucidez se tornam terrivelmente presentes, quando anuncia: Da Eleição Eterna, segundo a qual Deus Predestinou, alguns para a salvação e outros para a Destruição. Este é considerado o seu decretus terribli, o qual Calvino reafirmava corajosa e claramente com base nas Escrituras Sagradas, com ele as entendia, que Deus escolheu alguns para salvação, dentre todos aqueles que já se encontravam perdidos. Como Calvino entendia a Predestinação? Não há dúvida, que era a partir da soberania de Deus. Deus é o Senhor, e não precisa consultar ninguém sobre o que ele pretende fazer ou não fazer. Todos os homens estavam no pecado, mortos e debaixo da mesma condenação eterna. Deus escolheu seus eleitos em Cristo Jesus, com base na sua soberania e na obra de Cristo sem considerar os possíveis méritos ou deméritos do homem. O homem sem Deus, na concepção calvinista, encontra-se morto em seus delitos e pecados. (Efésios 2) Quem pode, pois reclamar contra sua bondade? Assim a semente de Abraão era a certeza de que Deus amara um povo que não tinha méritos para ser amado, mas a quem Deus escolhera. Ainda que haja alguma relação com a presciência divina, Calvino, se recusa a deduzir uma da outra. A predestinação na sua concepção deve ser inferida apenas da soberania de Deus e dos seus decretos eternos aplicados dos seus predestinados por meio de Jesus Cristo. Diz o Reformador de Genebra (Calvino, 1967. p. 728):

“Nós de fato, atribuímos presciência tanto quanto a predestinação a Deus; mas afirmamos ser um absurdo a ultima subordinada á primeira... Quando atribuímos presciência a Deus, queremos dizer que todas as coisas sempre estiveram e estarão sob seus olhos; que para seu conhecimento não existem nem passado e nem futuro, mas que todas as coisas são presentes...”
[...] Por predestinação queremos nos referir ao decreto eterno de Deus, pelo qual ele determinou, consigo mesmo, o que quer que seja que ele desejava que acontecesse com relação a todos os homens.
Todos não são criados em tempos iguais, mas alguns são pré-ordenados para a vida eterna e outros para a perdição eterna; e foi predestinado para a vida ou para a morte.”

Febvre (2002, p. 29) sintetiza a importância da soberania de Deus e da predestinação para a arquitetura da teologia calvinista, diz ele:

“Calvino não ignorou a condição mesma desta aceitação viril da morte, contemplada sem temor, cara a cara. Pequei tanto! Não serei maldito?” Não. Não te inquietes. Tua salvação não a fazes tu. Tu despido de toda virtude, mas revestido de Deus, vazio de todo bem, mas pleno de Sua obra. Admiráveis expressões da Epístola a Francisco I, escrito de tanta força e relevo. Tua salvação, esta opera Deus somente, em sua criatura, gratuitamente, por um Dom de graça a que nada O força. E que O deixa livre para escolher como quer e a quem quer para a salvação. O que é isto senão a predestinação? Doutrina de rara e profunda psicologia, sempre a partir de nosso ângulo que nada tem de dogmático, que é de historiador e não de teólogo. A predestinação, a peça final do edifício, a coroação. O último toque da alma de um cavaleiro que não trai. Que não teme. Que se mostra fiel sem medo, até a morte.”

Livro IV: Eclesiologia ¬ “Creio na comunhão dos santos” – Credo Apostólico

A reforma protestante foi um movimento desencadeado em função de uma grave crise que se abateu sobre a igreja medieval, por isso, a maior parte da obra de Calvino é dedicada a este tópico. Calvino dedicou mais de 500 páginas ao estudo da Igreja e dos meios de graça, bem como no seu relacionamento com o Governo Civil. Calvino colocava a existência da Igreja totalmente na dependência do Espírito Santo (Salmo 62). A igreja na concepção calviniana é a comunidade dos regenerados por Deus, dos eleitos de Deus conforme Efésios capítulo 1. Está igreja nasce do chamado de Deus, sua vocação eficaz e continua através dos séculos por meio do Ide de Jesus, isto é, a Igreja deve proclamar a glória de Deus a fim de anunciar aos homens o reino de Deus e a sua justiça a fim de que os eleitos tomem conhecimento da sua salvação em Cristo Jesus, por meio do Espírito Santo. A verdadeira Igreja, porém apresenta alguns sinais que a identificam como tal, e uma citação já famosa e conhecida de Calvino, (1967, p. 812) afirma que:

“Onde quer que vejamos a Palavra de Deus sinceramente pregada e ouvida, onde quer que vejamos os sacramentos administrados de acordo com a instituição de Cristo, aí, não pode haver qualquer dúvida de que a Igreja de Deus tem existência, desde que sua promessa não pode falhar, de que onde dois ou três estiveram reunidos em seu nome, ali estarei eu no meio deles (Mateus 18.20).

Neste Livro das Institutas, Calvino trata também dos sacramentos. O batismo e a Ceia do Senhor. Estes são sinais visíveis da graça invisível de Deus sobre seus escolhidos. O batismo calvinista, este ato simbólico de lavar cerimonialmente com água, aplicada sobre a cabeça do batizado em nome do pai, do Filho e do Espírito santo simbolizam a união do cristão com Cristo, significa ainda que o cristão é participante das bênçãos do pacto da graça realizado entre Deus e o homem, tendo Cristo como seu mediador, sua base e seu fiador e ainda o batismo sela a promessa de que de fato o homem tornou-se filho de Deus em Cristo Jesus. Já a Santa Ceia, é o sinal visível de uma graça invisível por excelência. Através desta, o Espírito Santo aplica no coração dos eleitos todos os benefícios da obra vicária de Cristo na cruz do calvário.

“Ora na Santa Ceia temos o pão, que é visível, para simbolizar o corpo do Senhor, que se acha invisível aos nossos olhos; temos o vinho, presente com sua cor e seu sabor, para simbolizar o sangue da aliança, o qual não vemos ao celebrar o sacramento; temos os emblemas do corpo e do sangue separados, para representar sua morte” (Almeida, 1959, p. 161).

Referências bibliográficas

[1] A centralização do calvinismo na Palavra de Deus, a Bíblia Sagrada, considerada por Calvino a única revelação especial e suficiente de Deus para o conhecimento da salvação distingue a teologia Reformada da teologia Católica. Esta admite além da própria Bíblia Sagrada a revelação natural e a tradição dos santos padres que é considerada e acatada no mesmo nível da revelação especial e no catolicismo popular no Brasil é mais conhecida do que a própria Bíblia que tem uma posição secundário nesta forma de expressão religiosa.
[2] A depravação total do homem é um dos pilares da teologia calvinista. Por esta doutrina o pecado da desobediência de Adão foi imputado a todo gênero humano. O homem nasce pecador independente do seu pecado pessoal, ser pecador é o seu estado diante de Deus posto que o homem herdou esta condição espiritual de Adão, o arquétipo do pecador e, por isso, encontra-se espiritualmente morto e incapaz de realizar qualquer coisa que agrade a Deus. O pecado afetou sua cognição, sua volição, seu espírito de tal sorte que mesmo conhecendo o bem o pessoal, Ele é incapaz de escolhê-lo e efetuá-lo (Romanos 7).
[3] A doutrina da soberania de Deus é o vértice da teologia calvinista. “Desde toda a eternidade, e pelo sapientíssimo e santíssimo conselho de sua própria vontade, Deus ordenou livre e imutavelmente tudo quanto acontece; porém, de modo tal que nem é Deus o autor do pecado, nem se faz violência à vontade das criaturas, nem é tirada a liberdade ou contingências das causas secundárias, antes são estabelecidas” (Hodge, 1999, p. 95, citando a seção I da Confissão de Fé de Westminster).

Bibliografia

CALVINO, Juan. Institución de la religion cristiana. Traducida y publicada por Cipriano de Valera en 1597. Nueva edicion revisada en 1967. Países Bajos: Fundacion Editorial de Literatura Reformada, 1967. Vol I e II.
FEBVRE. Lucien. Esboço de um retrato de João Calvino. São Paulo: Mackenzie. Cadernos de Pós-Graduação, 2002.

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* Rev. Antônio Maspoli é doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo, foi Diretor da Escola Superior de Teologia e autor do artigo sob título O pensamento de João Calvino e a ética protestante de Max Weber, aproximações e contrastes, do qual a presente postagem é parte. Disponível em: https://pt.linkedin.com/pulse/o-pensamento-de-jo%C3%A3o-calvino-e-%C3%A9tica-protestante-max-weber-maspoli.

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