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Destaques

✢ LANÇAMENTO DO LIVRO "JOÃO CALVINO: QUEM DIZEM QUE SOU?"

J. A. Lucas Guimarães Sob empréstimo da pergunta de Jesus aos discípulos foi publicada a décima obra da Série Calvino21 , intitulada: JOÃO CALVINO: "QUEM DIZEM QUE SOU?" – Esboços de retratos calvinianos  –   O rganizada pelo historiador e teólogo J. A. Lucas Guimarães, encontra-se a convicção de que a relação de seu contexto original com as identificações à pessoa de João Calvino desde sua morte, não é mera coincidência. Se lhe fosse oportuno um lance de existência atual, é possível que ele fizesse semelhante indagação, apesar de seu desinteresse por ela em sua existência. Desse modo, tem início o empenho de disponibilizar a verdade histórica da identidade e identificação de João Calvino: advogado, um dos principais líder da Reforma Protestante do século XVI, pastor na cidade de Genebra e escritor cristão, com vasta literatura legada à posteridade, com a íntegra apresentação do Evangelho de Cristo pela fiel exposição bíblica. Porque já se distanciam os limites dos 500 anos

✢ A FORMAÇÃO DE JOÃO CALVINO

Antônio Carlos Anacleto *

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A formação de João Calvino

João Calvino é um dos importantes personagens da história do século XVI e da própria Europa não unicamente por suas concepções religiosas, sociais e pedagógicas, mas pela complexidade do seu pensamento e pela maneira como conduziu sua vida, aproximando os valores em que afirmou crer.

Calvino nasceu em Noyon, pequena cidade da província da Picardia, localizada ao norte da França, em 10/07/1509. Seu pai, Gérard Cauvin, era advogado e trabalhava como secretário do bispo local. Por causa dessa influência, Calvino gozou em sua infância de especial atenção para com sua formação educacional, pois a teve subsidiada pela igreja cristã, por meio de um benefício eclesiástico que determinava o empenho de um alto valor financeiro em favor de Gérard Cauvin para gastos com educação de seus filhos. (BEZA, 2006)

Influenciado pelo pai, Gérard Cauvin, Calvino, o segundo filho entre cinco irmãos, dedicou-se ao estudo do direito e da filosofia nas principais escolas humanistas da França. Na infância, ainda em Noyon, ele estudou no Collège de Capeto: escola frequentada pelos filhos dos nobres de sua cidade, onde cultivou a amizade com vários destes. Posteriormente, em Paris, Calvino passa a frequentar o tradicionalíssimo Collège de La Marche, onde recebeu treinamento ao sacerdócio estudando humanidades e latim durante alguns meses do ano de 1523. Ali, ele começa a ter contato com os principais humanistas franceses, sendo iniciado por Maturinus Corderius. (MCGRATH, 2004)

Ainda em Paris, Calvino passa a estudar no Collège de Montaigu, uma instituição de ensino mais escolástica, porém, que também vivenciava a influência do humanismo renascentista. No Collège de Montaigu estudaram Erasmo de Roterdã, nascido no dia 28/10/1466 em Roterdã e que veio a falecer em Basileia no dia 12/07/1536, e Rabelais, escritor, padre e médico francês, nascido em Paris no ano de 1494 e que veio a falecer na mesma cidade em 09/04/1553. Já no mesmo período em que Calvino frequentou esta escola, lá estudou o líder da ordem dos Jesuítas, Inácio de Loyola. (FERREIRA, 1985) Nessa instituição, ele recebe o treinamento em Gramática, Filosofia e Teologia, sob a orientação de grandes mestres como Antonio Coronel, um grande humanista de origem espanhola, e o medieval-nominalista de origem escocesa John Major.

Posteriormente, em 1528, Calvino vai para a Universidade de Orléans, uma conceituada e concorrida universidade de cunho humanista. Em Órleans, estuda Direito Civil, sob a orientação do jurista Pierre L'Étoile, um dos maiores juristas da Europa no século XVI. (LESSA, 1969) Já no ano seguinte, em 1529, Calvino transfere-se para a Universidade de Bourges, atraído pelo famoso humanista e jurista italiano Andreas Alciati, onde permanece entre 1529 e 1531.

Com a morte do seu pai, Calvino passa a se dedicar integralmente ao estudo da religião: tema de sua predileção. Nessa aproximação com a Teologia, ele sente-se grandemente influenciado e atraído pelos temas e ideias que originaram a eclosão da Reforma religiosa do século XVI. (GEORGE, 1994) Ainda em 1531, Calvino retorna para Paris a fim de completar seus estudos literários e na língua grega com Pierre Danes e, igualmente, aprender hebraico com François Vatable, para tal indo residir no Collège Fortet. Ele permanece em Paris até 1533, quando tem de se abrigar em outras cidades francesas por causa da perseguição religiosa levantada devido às suas ideias reformistas, expressas no discurso do amigo Nicolás Cop, ao assumir a reitoria da Universidade de Paris.

Em 1534, agora com 25 anos, Calvino retorna a Noyon, onde renuncia aos benefícios eclesiásticos. Tal atitude fez com que as perseguições contra ele se intensificassem ainda mais, obrigando-o a viajar errante por diversas cidades europeias, como Paris, Angoulême, Poitiers, Estrasburgo e Basileia. (DANIEL-ROPS, 1996)

Essas idas e vindas de João Calvino e suas constantes mudanças de instituição de ensino e temas a serem estudados contribuíram para a sua ampla visão quanto à atuação do ser humano na sociedade, da relação entre a Teologia e as demais áreas do saber e para a fundamentação de sua práxis religiosa.

João Calvino (1999) descreve as causas desse acidentado roteiro ligando-a a causas familiares e, também, a seu próprio interesse:

Quando era ainda bem pequeno, meu pai me destinou aos estudos de Teologia. Mais tarde, porém, ao ponderar que a profissão jurídica comumente promovia aqueles que saíam em busca de riquezas, tal prospecto o induziu a subitamente mudar seu propósito. E assim aconteceu de eu ser afastado do estudo de Filosofia e encaminhado aos estudos da jurisprudência. A essa atividade me diligenciei a aplicar-me com toda fidelidade, em obediência a meu pai; mas Deus pela secreta providência, finalmente deu uma direção diferente ao meu curso.

Outros aspectos quanto à formação de João Calvino e que o aproximam das questões educacionais da época são a sua ligação e interesse pelo movimento humanista e a sua obra bibliográfica.

Calvino e o humanismo

O alinhamento de João Calvino com o movimento humanista não é um ponto consensual entre os principais historiadores de sua vida e obra: Costa (2009) e McGrath (2004) afirmam esta tese, já Lessa (1969) e Ferreira (1985) não tratam dessa ligação. Vê-se que tal discussão se refere muito mais às consequências dessa afirmação e nota-se que as ideias contemporâneas ligadas aos termos humanismo e renascimento fizeram os historiadores contemporâneos identificarem esta ligação.

Habitualmente, o pensamento humanista tem sido ligado a questões que posteriormente alinhar-se-iam com a filosofia iluminista e, por conseguinte, a ideias contrárias à religião: a valorização do homem como medida de todas as coisas.

Daniel-Rops (1996) enfatiza esse problema ao falar do antagonismo entre cristianismo e renascimento, descrevendo a vida de supostos cristãos renascentistas: “Contraditórios como toda a sua época, achavam normal ir à missa e ter em casa – como Marsílio Ficino – uma lâmpada acesa diante do busto de Platão.” Porém, este tipo de relação é essencialmente anacrônico, pois veio a ocorrer apenas no século XVIII, o chamado Século das Luzes. Portanto, de maneira alguma é depreciativo ou negativista encontrar princípios humanistas em João Calvino, que precede esse período. Costa (2004) defende esta tese ao afirmar que:

O humanismo de Calvino, no entanto, não deve ser confundido com o humanismo secular, que colocava o homem como centro de todas as coisas. Calvino rejeitava este tipo de humanismo. Na sua obra magna, A Instituição da Religião Cristã, Calvino expressa a sua concepção humanista, que consiste em reconhecer a grandeza do homem, como criatura de Deus, a quem deve adorar e glorificar.

Ainda para Costa (2009), há uma característica singular no humanismo de João Calvino, que o difere do humanismo segundo Erasmo de Roterdã: “Podemos dizer, no sentido mais pleno da palavra, que Calvino era um genuíno humanista, estando profundamente interessado pelo ser humano.” A tônica humanista de João Calvino é ainda afirmada e pontuada por Knudsen (1990):

É um erro supor que o duradouro interesse de Calvino pelos estudos humanísticos e pelo desenvolvimento cultural do homem fosse um simples remanescente do tempo que precedeu sua conversão à fé evangélica. Sua preocupação para com os estudos humanísticos e para com aquilo que diz respeito ao que é humano está muito inseparavelmente ligado ao seu modo global de pensar.

O francês Biéler (1970) sintetiza esta problemática apontando Calvino como um medievalista humano-renascentista, uma nova categoria, que apresenta em Calvino os pontos positivos dessas duas eras:

Resumindo, enquanto a ciência da Idade Média foi a teologia, o estudo de Deus, a da Renascença foi o humanismo, o estudo do homem. A ciência de Calvino, por sua vez, é um humanismo teológico que inclui há um tempo o estudo do homem e da sociedade através do duplo conhecimento do homem pelo homem, de um lado, e do homem por Deus de outro.

Em síntese, a aproximação entre João Calvino e o ainda embrionário movimento humanista se dá pela via do objeto de estudo de ambos: o ser humano e suas relações sociais, isto é, sua inserção e participação ativa no meio social. E é exatamente esse interesse pelo ser humano, como um ser social, que faz com que Calvino se aproxime do tema educação, como Costa (2009) afirma: “A sua perspectiva humanista vai ser o fator determinante na sua aproximação pedagógica.” Estabelece-se, assim, o ponto de contato entre João Calvino e suas ideias pedagógicas por meio do humanismo que tanto favoreceu na Europa o desenvolvimento da educação e, por conseguinte, das demais ciências e da própria humanidade.

Outro aspecto a ser examinado na vida de João Calvino, a respeito do seu engajamento em temas relativos à educação, é a sua produção literária, um dos meios que ele encontrou para o desenvolvimento da educação cristã na sua época: um arcabouço de conhecimentos teóricos e práticos necessários ao desenvolvimento da fé cristã e à solidificação da novel igreja.

A produção literária de João Calvino

João Calvino foi uma pessoa dedicada aos estudos. Isto pode ser visto, por exemplo, em suas obras literárias que englobam textos religiosos, jurídicos e outros tantos, que tratam desde questões pessoais e triviais da vida humana até os mais complexos assuntos da teologia cristã. Na área jurídica, ele se dedicou, no início da sua juventude, em escrever um comentário acerca do livro De Clementia, de Sêneca. Esta produção de Calvino apontava para a qualidade de seus escritos e, também, o interesse pelo ser humano e suas relações sociais (FERREIRA, 1985). Ela é apontada por Costa (2009) como aquela que mais apresenta sua forte ligação com o movimento humanista. No âmbito teológico, área na qual se encontra a maior quantidade dos escritos de João Calvino, há sermões, cartas, livros, comentários, panfletos, homilias, orações e tratados sobre diversos temas. Em suas obras, destacam-se os sermões e os comentários de quase todos os livros bíblicos, os seus tratados teológicos sobre diversos assuntos relacionados à fé cristã, a sua imensa correspondência em forma de apologia ou prédica endereçada desde aos simpatizantes do movimento religioso reformado até aos seus maiores contestadores e, ainda, os seus catecismos, voltados tanto ao público adulto quanto às crianças. (BEZA, 2006) Porém, a mais conhecida obra de Calvino, por meio da qual até os dias atuais é apontado como o maior teólogo da Reforma protestante, é A Instituição da Religião Cristã, conhecida simplesmente como Institutas.

As Institutas começaram como um pequeno livro de 536 páginas no ano de 1536 e passou por diversas revisões e reedições até chegar ao seu formato final no ano de 1559, contendo oitenta capítulos divididos em quatro livros, que totalizam mais de 2.000 páginas. Na opinião do próprio Calvino, esta obra visava ser um referencial com bases sólidas para todos aqueles que abandonando a igreja papal se filiassem à igreja reformada. Dessa forma, vê-se que as Institutas surgem como um elemento doutrinário agregador para a novel igreja em uma era de tamanha confusão e efervescência de ideias.

A obra literária de João Calvino revela também uma verdadeira paixão que ele nutria pelas letras e o desejo que manifestava pelo progresso da humanidade por meio dos seus escritos, uma marca presente em sua visão teológica, mas alinhada com sua práxis pedagógica e social.

Outro ponto da atuação de João Calvino que merece ser destacado quanto à sua atenção para a questão pedagógica é a sua ação como pastor e reformador nas cidades de Estrasburgo e, principalmente, Genebra, onde permaneceu por muitos anos em dois períodos distintos, sendo que no segundo lá ficou até o fim da sua vida.

Referências bibliográficas

BEZA, Theodoro de. A vida e a morte de João Calvino. Campinas: LPC, 2006.
BIÉLER, André. O pensamento econômico e social de Calvino. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990.
COSTA, Hermisten Maia Pereira da. João Calvino 500 anos: introdução ao seu pensamento e obra. São Paulo: Cultura Cristã, 2009.
DANIEL-ROPS. A Igreja da Renascença e da Reforma: I. A reforma protestante. São Paulo: Quadrante, 1996.
FERREIRA, Júlio Andrade. História da Igreja Presbiteriana do Brasil – 2 volumes. 2 ed. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1992.
GEORGE, Timothy. Teologia dos Reformadores. São Paulo: Vida Nova, 1994. 
KNUDSEN, Robert D. O Calvinismo como uma força cultural. In: REID, W. Stanford (org.). Calvino e sua influência no Mundo Ocidental. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990.
LESSA, Vicente Themudo. Calvino 1509-1564: Sua vida e obra. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1969.
MCGRATH, Alister. A vida de João Calvino. São Paulo: Cultura Cristã, 2004.

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* Texto extraído de ANACLETO, Antônio Carlos. “O papel da educação na consolidação do protestantismo brasileiro: um estudo da obra The Republic of Brazil, do teólogo-educador Erasmo Braga.” Disponível em: https://1library.org/document/6zkn6p1z-educacao-consolidacao-protestantismo-brasileiro-republic-brazil-teologo-educador.html. Acesso em 22/03/2024.

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