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Destaques

LANÇAMENTO: LIVRO "JOÃO CALVINO: QUEM DIZEM QUE SOU?"

Sob empréstimo da pergunta de Jesus aos discípulos, foi publicada a décima obra da Coleção Calvino21 , organizada pelo historiador e teólogo J. A. Lucas Guimarães, sob o título: JOÃO CALVINO: “QUEM DIZEM QUE SOU?”   ▪  Esboços de retratos calvinianos  ▪ Nela temos a convicção de que a relação de seu contexto original com as identificações à pessoa de João Calvino desde sua morte, não é mera coincidência. Se lhe fosse oportuno um lance de existência atual, é possível que ele fizesse semelhante indagação, apesar de seu desinteresse por ela em sua existência. Desse modo, tem início o empenho de disponibilizar a verdade histórica da identidade e identificação de João Calvino: advogado, um dos principais líder da Reforma Protestante do século XVI, pastor na cidade de Genebra e escritor cristão, com vasta literatura legada à posteridade, com a íntegra apresentação do Evangelho de Cristo pela fiel exposição bíblica. Porque já se distanciam os limites dos 500 anos de seu na...

JOÃO CALVINO E PIEDADE CRISTÃ: VIVÊNCIA E ENSINO – I

▪ ▪ ▪  Randal S. Lankeet

uitos escritores que refletem sobre a vida de João Calvino são rápidos em criticá-lo, assim como seus seguidores posteriores, por sua apatia espiritual ou até frieza. Esses escritores associam o Pastor de Genebra a uma teologia fria e uma mente inflexível. Raramente se diz que ele demonstrou uma vida de devoção calorosa a Deus. É possível encontrar avaliações negativas semelhantes sobre Calvino que remontam à sua própria época. Considere, por exemplo, Jerome Bolsec, antigo seguidor e amigo de Calvino. Mais tarde, após abandonar a fé evangélica e retornar ao catolicismo romano, Bolsec afirma que Calvino era pouco mais do que um homem arrogante, cruel e ganancioso. Ele escreve que, enquanto o Reformador jazia em seu leito de morte, comido por piolhos e vermes por todo o corpo como punição divina, ele amaldiçoava e blasfemava contra Deus.[1]

E assim começou uma longa tradição de críticas a Calvino, particularmente, entre escritores romanistas. Uma biografia de Calvino, autorizada para leitura por católicos franceses até o século XX, o retratava como um homem enganador e despótico, com um coração insensível.[2] Com esse tipo de calúnia, não é de se admirar que os seguidores de Calvino também tenham sido tratados com desprezo por muitos escritores até os dias atuais. Considere esta frase de uma recente matéria da Associated Press sobre o cenário político atual na Holanda: “Por que um país de 16 milhões de pessoas, um dos menores e menos expressivos da Europa, está na vanguarda da legislação liberal? E por que isso aconteceu em um país que abraçou o ramo mais austero e regimentado do Cristianismo, o calvinismo?” [3] Será mesmo verdade que os calvinistas são os mais austeros (e amargos) entre todos os cristãos do mundo hoje? Ou leia o que um evangélico americano, Laurence Vance, tem a dizer em seu livro intitulado Other Side of Calvinism [O Outro Lado do Calvinismo]: “Nada vai entorpecer uma igreja ou afastar um jovem do ministério mais do que a adesão ao calvinismo. Nada fomentará tanto orgulho e indiferença quanto a afeição pelo calvinismo. Nada destruirá a santidade e a espiritualidade como o apego ao calvinismo.” [4]

É claro que temos de admitir que os críticos do calvinismo podem encontrar exemplos de espiritualidade naufragada em sua história de quase quinhentos anos. Mas esses críticos também precisam concordar que alguma imoralidade é encontrada em todos os movimentos cristãos ao longo da história da igreja. Nesse aspecto, os calvinistas não são diferentes de outros crentes. O pecado e a tentação de pecar são “empregadores de oportunidades iguais”, recrutando pessoas de diferentes linhas denominacionais e teológicas.

Neste artigo, e em sua continuação no próximo mês, quero demonstrar o quanto João Calvino com que entusiasmo e intensidade João Calvino se concentra na piedade centrada em Cristo em seus escritos. De fato, viver uma vida cristã santa em resposta à salvação que Deus nos dá de nossos pecados por meio de Jesus Cristo é um tema importante, senão o tema principal, no pensamento de Calvino. O apóstolo Paulo declara em Romanos 12.1: “Rogo-vos, irmãos, pela misericórdia de Deus, que apresenteis os vossos corpos como sacrifício vivos, santo e agradável a Deus.” Refletindo sobre essas palavras, Calvino escreve: “...Devemos meditar sobre a santidade ao longo de toda a nossa vida.” [5]

Nos escritos de Calvino, mesmo em seus textos teológicos mais profundos, você o encontrará, frequentemente, usando a palavra latina “pietas”. Normalmente, essa palavra recebe, simplesmente, uma transliteração em inglês: “pietas”, que é traduzido como “piety” [“piedade”, em português]. Mas para nossos ouvidos modernos, quando alguém fala sobre “piedade” ou um cristão “piedoso”, pensamos em uma avó idosa, sentada em silêncio em sua cadeira, lendo sua Bíblia por horas a fio. Muitos cristãos "piedosos" hoje reservam um ou até dois “momentos de silêncio” para suas devoções a cada dia. Outros, em sua expressão de “piedade”, podem usar pulseiras com a inscrição “WWJD” (O que Jesus faria?) nos pulsos ou carregar pequenas cruzes nos bolsos. Mas será que é isso que Calvino tem em mente quando escreve sobre as “pietas” cristãs? Eu diria: “Não.”

As ilustrações de “piedade” dadas acima têm mais a ver com o que os historiadores da igreja chamam de Pietismo” do que com “piedade”. Pietismo é o rótulo dado pelos historiadores da igreja a um movimento que se originou entre os luteranos alemães no final do século XVII. Esse movimento impactou o Puritanismo Holandês e o Metodismo Inglês, posteriores. Certos temas do Pietismo foram transportados para a América no Segundo Grande Avivamento e depois reapareceram nos movimentos pentecostais e de santidade. Para muitos cristãos hoje, as referências de Calvino à “piedade” são propensas a mal-entendidos devido ao Pietismo.

Calvino usa a palavra latina “pietas” para traduzir a palavra grega bíblica “eusebeia”, frequentemente traduzida em português como “piedade, adoração, religião.” Dada a bagagem histórica associada ao Pietismo, acho preferível traduzir “pietas” como "piedade" ou mesmo “semelhança com Cristo”. De fato, ao ler os escritos de Calvino, você ficará impressionado com a frequência com que ele enfatiza a vida piedosa como “semelhança com Cristo”. Um dos grandes objetivos ministeriais de Calvino era promover a pietas cristã, incentivando os crentes a crescerem na verdadeira piedade da semelhança cristã.

João Calvino utiliza a pietas como tema principal em sua obra-prima, as Institutas da Religião Cristã. A edição final das Institutas foi publicada em 1559, apenas cinco anos antes de sua morte. Como você deve saber, Calvino enviou a primeira edição de suas Institutas ao rei francês Francisco I, que se mostrava cada vez mais hostil aos reformadores. Observe as duas primeiras frases da carta de vinte e três páginas (em tradução inglesa), que Calvino enviou ao rei junto com as Institutas:
Quando me dediquei a este trabalho pela primeira vez, nada estava mais longe da minha mente, Rei gloriosíssimo, do que escrever algo que depois pudesse ser oferecido a Vossa Majestade. Meu propósito era unicamente transmitir certos rudimentos pelos quais aqueles que são tocados por algum zelo pela religião pudessem ser moldados à verdadeira piedade [pietas].[6]
Aí está ela – pietas, piedade, semelhança de Cristo –, já encontrada na segunda frase do que equivale a uma introdução as Institutas. Calvino explica que seu propósito ao escrever é, na verdade, duplo: apresentar um resumo dos ensinamentos bíblicos básicos e, como resultado disso, ajudar os cristãos a serem moldados na “verdadeira piedade”. Observe como Calvino conecta “cabeça” ao “coração”. O conhecimento correto de Deus está inseparavelmente ligado a uma vida correta para Deus. Somente os críticos mais injustos podem fazer a acusação caluniosa de que Calvino e, posteriormente, os calvinistas destroem a piedade cristã e a vida santa. Calvino enfatiza a pietas também nas páginas iniciais de suas Institutas. O Livro Um, capítulo um, serve como uma breve introdução de três páginas para toda a obra. Calvino explica aqui como o conhecimento de Deus está conectado ao conhecimento de si mesmo. Então, apenas quatro páginas, após o início das Institutas (I.II.1) de mil páginas, Calvino declara:
Ora, o conhecimento de Deus, como eu entendo, é aquele pelo qual não apenas concebemos que existe um Deus, mas também compreendemos o que nos convém e é próprio à sua glória... De fato, não diremos que, propriamente falando, Deus é conhecido onde não há religião ou piedade [pietas].
Deus não pode ser devidamente conhecido, diz Calvino, à parte da pietas, ou seja, da verdadeira piedade ou semelhança com Cristo. Mais adiante, nessa mesma seção, Calvino apresenta sua definição de piedade bíblica: “Chamo de ‘piedade’ [pietas] aquela reverência unida ao amor a Deus que o conhecimento de seus benefícios induz” (I.2.1, p. 41).
Uma reverência a Deus unida a um amor profundo por Deus – isso é piedade cristã no melhor sentido da palavra. Algumas páginas depois, Calvino define “religião verdadeira” como “fé unida a um temor sincero a Deus, o qual também abrange a reverência voluntária e traz consigo a adoração legítima, prescrita na lei (I.2.2; p. 43). Fé em Deus unida ao reverente temor a Deus, que é acompanhado de adoração no sentido mais amplo: oferecer todo o ser como um sacrifício voluntário, por gratidão a Deus. Isso não pode ser reduzido a mero sentimento. É sentimento, mas também é estilo de vida. E viver uma vida santa, movido por uma reverência amorosa a Deus. Em seu catecismo publicado anteriormente, Calvino enfatiza que o exercício da piedade do cristão para com o Deus santo não deve surgir do terror de seu julgamento:
…a verdadeira piedade [pietas] não consiste em um medo pelo fato de desejar fugir voluntariamente do julgamento de Deus, mas como não pode escapar é aterrorizado. A verdadeira piedade [pietas] consiste antes em um sentimento sincero que ama a Deus como Pai tanto quanto o teme e o reverencia como Senhor, abraça sua justiça e teme ofendê-lo mais do que a morte. [7]
Ao abraçar a justiça de Deus, a justiça de Cristo, o cristão não deve ter medo da condenação divina. Embora às vezes a consciência do cristão seja “atormentada por um alarme perturbador e quase despedaçado” ao pensar no julgamento de Deus sobre seu pecado, ainda assim, na certeza da salvação por Cristo, deve ser “convencido por uma firme convicção de que Deus é um Pai bondoso e bem-disposto para com ele” (III.2.16, p. 562). É por esse amor ao Pai Celestial, que o cristão desejará viver em verdadeira pietas diante de Deus. Qualquer leitor imparcial das obras de Calvino será continuamente surpreendido pela sua recorrência ao tema sobre pietas: a piedade bíblica. Sim, Calvino foi um rigoroso pensador e teólogo. No entanto, ele nunca colocou a teologia ortodoxa contra o santo viver cristão. Na verdade, é exatamente o oposto: a correta teologia cristã, necessariamente, conduzirá a uma maior piedade:
...a única recomendação legítima da doutrina é aquela que nos instrui na reverência e no temor de Deus. Assim, somos ensinados que o homem que mais progrediu na piedade é o melhor discípulo de Cristo. E o único homem que deve ser considerado um verdadeiro teólogo é aquele que pode edificar a consciência dos homens no temor a Deus. [8]
Assim, que nossas doutrinas bíblicas e calvinistas conduzam a todos nós a uma crescente piedade como discípulos de Cristo Jesus.
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Rev. Randal S. Lankheet  Pastor da Igreja Reformada Unida de Ontário, em Ontario, Califórnia. Artigo sob título original "Jonh Calvin and Christian Piety (1)". Disponível em: https://outlook.reformedfellowship.net/sermons/john-calvin-and-christian-piety-1/. Acesso em: 16/12/2025. Tradução de J. A. Lucas Guimarães.
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 Notas bibliográficas
[1] Richard Stauffer, The Humanness of John Calvin, trans. George Shriver (Nashville: Abingdon Press, 1971) 20.
[2] Ibid., p 23.
[3] Arthur Max, “Progressive or Degenerate? Pundits Debate Dutch Liberalism,” Inland Valley Daily Bulletin, 20 May 2001: A15.
[4] Laurence M. Vance, quoted by James N. McGuire, “A Kinder, Gentler Calvinism,” Reformation and Revival Newsletter, 5 (March-April 2001) 11.
[5] John Calvin, The Epistles of Paul the Apostle to the Romans and to the Thessalonians, vol. 8, Calvin’s New Testament Commentaries, eds. David W. Torrance, Thomas F. Torrance, trans. Ross MacKenzie (Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans Publishing Company, rpt. 1973), 263.
[6] John Calvin, “Prefatory Address to Francis I,” in Institutes of the Christian Religion, ed. John T. McNeill, trans. Ford Lewis Battles, in The Library of Christian Classics, vol. 20 (Philadelphia: The Westminster Press, 1960), 9. Doravante, referências dos Institutos serão feitas entre parênteses, junto com o número da página da edição de Battles.
[7] John Hesselink, Calvin’s First Catechism, A Commentary (Louisville: Westminster University Press, 1997).
[8] John Calvin, The Second Epistle of Paul the Apostle to the Corinthians and the Epistles to Timothy, Titus, and Philemon, vol. 10, Calvin’s New Testament Commentaries, eds. David W. Torrance, Thomas F. Torrance, trans. T. A. Smail (Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans Publishing Company, rpt. 1980), 353.

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